
Em meio a mais um conflito entre Israel e Irã, líderes evangélicos brasileiros voltaram a manifestar apoio público ao Estado israelense. O posicionamento, que vai além da solidariedade às vítimas e assume defesa explícita das políticas de Israel, não é um movimento recente — e está longe de se restringir a igrejas neopentecostais ou ligadas ao bolsonarismo.
Pesquisadores apontam que o apoio encontra raízes na teologia protestante e em uma interpretação literal das escrituras, que identifica Israel como o “relógio profético” do fim dos tempos. Essa leitura, segundo o teólogo Alexandre Gonçalves, é sustentada por uma corrente conhecida como dispensacionalismo, surgida no século 19 e popularizada entre grupos evangélicos nos Estados Unidos.
A criação do Estado moderno de Israel, em 1948, passou a ser interpretada por esses grupos como cumprimento de uma profecia bíblica, sinalizando que os eventos do apocalipse estariam se aproximando. Para muitos fiéis, estar ao lado de Israel significa, portanto, manter-se fiel aos desígnios divinos.
Além do aspecto religioso, há também uma forte influência política. De acordo com a antropóloga Jacqueline Teixeira, da Universidade de Brasília (UnB), o apoio a Israel por parte de igrejas evangélicas no Brasil ganhou novos contornos a partir do bolsonarismo, que associou o conflito no Oriente Médio à ideia de uma guerra entre o bem e o mal. “Há uma naturalização do discurso bélico e da desumanização do povo palestino em alguns círculos religiosos”, afirma Teixeira.
O pastor e teólogo Sergio Dusilek destaca que o Antigo Testamento — fortemente valorizado entre os evangélicos — também oferece fundamentos simbólicos e políticos, como a ideia de um povo escolhido, de uma terra prometida e de um governo teocrático. Segundo ele, isso colabora para o uso político do apoio a Israel. “É um apoio de fundo político sob o verniz religioso”, observa.
Outro fator que reforça o vínculo é o turismo religioso. Viagens organizadas por igrejas a Israel, com batismos no rio Jordão e visitas a locais sagrados, contribuem para estreitar o sentimento de identificação com a nação. Elementos como a bandeira de Israel e a estrela de Davi tornaram-se símbolos comuns em eventos evangélicos no Brasil.
Ainda assim, há divergências dentro do meio evangélico. Teólogos como Kenner Terra e Guilherme Carvalho reconhecem a importância teológica de Israel, mas alertam para os riscos de um apoio incondicional que desconsidera questões históricas e violações de direitos humanos. “O Estado moderno de Israel não é o Israel bíblico. Ele representa a concretização histórica das lutas do povo judeu, mas não deve ser confundido com o Reino de Deus”, pondera Carvalho.
O apoio evangélico ao Estado de Israel, portanto, é multifacetado: envolve crenças religiosas, identidade cultural e interesses políticos — nacionais e internacionais. E, à medida que o conflito no Oriente Médio se intensifica, o debate sobre os limites entre fé, política e justiça humanitária continua em aberto.