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Cuba: novos protestos pela democracia são marcados para este domingo

O primeiro grito ecoou pelas províncias de Cuba em 11 de julho passado, quando milhares de pessoas tomaram as ruas das principais cidades e cobraram democracia. Fotografias e vídeos de cubanos sedentos pela mudança viralizaram nas redes sociais. A resposta do regime do presidente Miguel Díaz-Canel foi  repressão, com detenções e julgamentos sumários.

A comunidade  internacional reagiu com indignação e sancionou altas autoridades de Havana, incluindo funcionários dos ministérios das Forças Armadas Revolucionárias e do Interior, além da Polícia Nacional de Cuba. Um novo clamor pela democracia está marcado para amanhã, quando se espera a realização de marchas cívicas na capital e em seis províncias da ilha socialista. Díaz-Canel acusa grupos baseados nos Estados Unidos de tentarem desestabilizar o regime e de financiarem os atos. 

Na última quinta-feira, o dramaturgo cubano Yunior García Aguilera — um dos líderes da plataforma Archipiélago e principal mentor do protestos de 11 de julho e de amanhã — anunciou que marchará sozinho, hoje, em uma avenida central de Havana. A decisão de realizar uma manifestação solitária e antecipada, segundo ele, tinha o objetivo de minimizar os riscos de violência. 

“No domingo, 14, farei uma marcha solitária, em nome de todos os cidadãos a quem o regime privou do direito de manifestação no dia 15”, revelou García, por meio do Twitter. Ele frisou, no entanto, que isso “não impede que os demais manifestantes dentro de Cuba exerçam seus direitos, nem no dia 15, nem no dia 16, nem nos demais dias”.

Responsável pela organização dos protestos em Santa Clara, na província de Villa Clara, a 260km de Havana, Saily González Velázquez, 30 anos, tem sofrido perseguição jurídica por parte do regime cubano. “Eles me processaram por delito de atividade econômica ilícita e receptação. Também tenho sido alvo de assédio nas redes sociais. As autoridades falaram com minha família, com meus amigos e com os meus funcionários. Tive de fechar os meus negócios, o Café Amarillo B&B e um Airbnb”, desabafou ao Correio, por telefone. 

Para Saily, Cuba precisa transitar rumo à mudança de regime. “A democracia significa que todos os direitos de todos os cubanos serão respeitados, e que nós poderemos participar do projeto de Cuba. Precisamos sair da ditadura. Não queremos mais repressão, não queremos mais jovens sejam encarcerados injustamente”, disse.

A ativista acredita que o fim da ditadura levaria a um apoio maior à ilha, inclusive por parte da comunidade de cubanos no exterior. “Eles querem se envolver com a reconstrução de Cuba como cidadãos, e não como ‘vermes’ ou ‘mercenários’ — termos usados pelo governo para mencioná-los”, acrescentou Saily. 

Morador de Cienfuegos, o engenheiro químico David Alejandro Martínez Espinosa é o articulador dos protestos na cidade localizada no centro-oeste de Cuba. Em 19 de outubro, acabou demitido do cargo de professor de química aplicada da Universidade de Ciências Médicas de Cienfuegos por manifestar-se politicamente no Facebook.

“As marchas cívicas e pacíficas são um método de luta não violenta para manifestar qualquer descontentamento em relação ao governo. Algumas pessoas defendem uma mudança total do sistema, enquanto outras pedem uma reforma mais simples”, comentou. 

Sem precedentes

Espinosa lembra que a cidadania cubana é “diversa e plural”. “Por isso, não queremos restringir as manifestações a pessoas que sejam de uma tendência ou de outra. Exortamos os cidadãos que estiverem de acordo com nossas demandas a protestarem”, disse. Apesar de entender que a sociedade civil cubana está fragmentada, o ativista vê a iniciativa de organização de protestos como algo sem precedentes na história da ilha.

“A história da revolução comunista em Cuba mostra que todas as manifestações e marchas ocorreram sob organização do governo. Os protestos de amanhã serão um marco na ilha, mesmo que poucas pessoas saiam às ruas. O objetivo desses atos é empoderar os cidadãos e fazer com que percam o medo pouco a pouco”, observou. 

Uma das figuras mais conhecidas da oposição em Cuba, a jornalista e blogueira Yoani Sánchez, 46 anos, afirmou ao Correio que o principal objetivo da marcha cívica de amanhã é reclamar a libertação dos prisioneiros políticos presos e condenados de forma sumária e sem garantias processuais durante os protestos de 11 de julho.

“O protesto visa uma mudança democrática rumo à aceitação do pluralismo e da diversidade. A mensagem enviada por esta marcha é que este país chegou a um ponto em que não pode ser mais controlado apenas por uma parte ideológica e ínfima da população”, comentou.

De acordo com Yoani, as novas gerações cubanas não aceitam a rigidez política imposta à ilha durante décadas. “Essa forma de governo exclui as ideias diferentes, a pluralidade, a diversidade. Sobretudo, trata-se de um sistema baseado na repressão da dissidência e das opiniões divergentes. A nova geração cubana disse ‘basta’ e não quer continuar com esse sistema disfuncional nos âmbitos econômico, político e repressivo”, declarou. 

Yoani garante que a marcha cívica tem transformado Cuba. Ela considera que as manifestações agendadas  para amanhã incitaram o debate, uma intensa discussão nas ruas e entre as famílias sobre a necessidade de aceitar a diversidade e o pensamento diferente. “O objetivo fundamental foi alcançado: não apenas revelar à luz pública o caráter autoritário, ditatorial e absolutamente alérgico às diferenças com o regime cubano, mas também estimular a reflexão na própria população”, disse.  

 
Depoimento

“O importante será a empatia” – Yoani Sánchez 

“Os protestos de amanhã, assim como manifestações e gestos de rebeldia marcados para hoje, para 16 e 17 de novembro, provavelmente serão o ato cívico e popular mais importante de Cuba nas últimas décadas. Além das pessoas que pensam em ir às ruas, muitos cubanos pretendem fazer algum tipo de gesto de solidariedade com os manifestantes. Os organizadores da marcha pediram àqueles que não quiserem sair às ruas para que coloquem roupas brancas nas janelas ou varandas, ou batam panelas.

Mais importante do que as pessoas que se reunirão nas seis províncias cubanas é a forma com que o restante da população da ilha reagirá. O oficialismo montou uma intensa campanha repressiva para aterrorizar a gente. Há controle e vigilância. O oficialismo tem preparado tropas de choque e atividades festivas nos pontos de concentração dos manifestantes. O importante será a empatia e a solidariedade provocadas nos cidadãos cubanos.”

Jornalista e blogueira dissidente cubana, diretora do diário independente 14ymedio.com, moradora de Havana

DUAS PERGUNTAS PARA…

Saily González Velázquez, 30 anos, organizadora dos protestos em Santa Clara, a 260km de Havana

Como a senhora vê a estratégia de organização dos protestos de 15 de novembro?

A organização dos protestos de 15 de novembro tem sido muito inteligente, à medida em que tem atraído a atenção da imprensa e muita visibilidade. Os atos também serão observados pela comunidade internacional. Por outro lado, deu tempo para que o regime se preparasse. Ele mobilizou uma campanha de terror e de medo entre os cidadãos para que não participem das marchas. Por isso, não creio que as manifestações serão tão massivas como se esperava. As pessoas têm muito medo. Será uma mobilização forte de pessoas que se sentem cidadãs e que sairão para exigir seus direitos. Há outras iniciativas cidadãs que os cubanos podem fazer de seus próprias casas, como colocar lençóis brancos nas janelas, fazer panelaço e aplaudir ao fim da tarde.

Qual mensagem gostaria de enviar ao regime de Cuba e ao mundo com esses atos?

Minha mensagem a Cuba e ao mundo é a de que Cuba precisa de uma mudança. Nós, cubanos, queremos uma mudança. Estamos dispostos a nos sacrificar para que o governo cubano pare de enriquecer e de planejar meios para reprimir aquelas pessoas que pensam diferente dele. 

Embaixador condena “provocação” dos EUA

Encarregado de negócios da Embaixada de Cuba no Brasil, o embaixador Rolando Gómez González disse ao Correio que “os inimigos da Revolução Cubana têm pretendido, sem êxito, reeditar as manifestações e tentativas desestabilizadoras fracassadas de 11 de julho”. “Os EUA, com sua contrarrevolução cubana na Flórida, promoveram, financiaram e organizaram outro evento subversivo, o 15 de novembro, contra o sistema escolhido pela imensa maioria dos cubanos em referendo nacional, o qual é parte da nossa Constituição”, sublinhou.

O diplomata denunciou uma “provocação intervencionista” e advertiu que nenhum país soberano aceitaria tal ação no exercício de sua autodeterminação. “Estou seguro de que o Brasil não permitiria manifestações organizadas e financiadas por potências estrangeiras destinadas a mudar o regime de governo”, afirmou.

Segundo González, os cubanos não permitirão, nem aceitarão, pressões, ingerências e ameaças de nenhum tipo. “Não toleraremos que ninguém afete a celebração do nosso povo, neste mesmo 15 de novembro, data que marca o reinício do ano escolar e a abertura total ao turismo internacional. Celebraremos igualmente, com muita alegria, a vitória sobre a pandemia da covid-19 com vacinas cubanas e a sobrevivência ante a descomunal guerra com a qual nos asfixiaram economicamente os governos norte-americanos — recrudescida por Donald Trump e mantida por Joe Biden”, acrescentou.

O embaixador aposta que os EUA aplicarão extrema pressão em torno de uma “grande campanha midiática internacional” para afetar a imagem de Cuba. González adverte que a manobra está fadada ao fracasso. “Todos sabem que eles mentem, caluniam e manipulam os fatos. No fim das contas, a verdade se impõe e prevalece: a vontade da resistência de um povo unido para conservar sua independência e sua soberania, face aos anseios históricos de dominação dos EUA sobre o nosso país”, concluiu. 

Com informações Correio Braziliense

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