Coluna

A imprensa barbalhista, Di Caprio e o menino da canoa

Por Eduardo Cunha

Tem um samba de Adoniran Barbosa, aquele ícone da terra da garoa cujo sotaque macarrônico da Mooca e do Bexiga se tornou inconfundível, que dizia “Deus dá o frio conforme o cobertor”. Pois bem, neste caso os “deuses”, ou aqueles que se julgam deuses, parecem não ter olhado com muito zelo para o frio dos habitantes da terra do calor próxima à Linha do Equador: Os papa-chibés. Se é que podemos dizer que cobriram nosso pescoço, deixaram todas as pernas e nossos pés ao relento.

Semana passada vi um vídeo no qual o Governador, Helder Barbalho, e o Presidente da República anunciaram que Belém sediaria a COP-30, Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o clima, que reúne autoridades mundiais e a cúpula dos ecologistas.

Confesso que me questionei se a cidade estaria preparada para um evento de tal porte se ela não está sequer para um domingo de Re x Pa no Mangueirão. A imprensa, como de costume, festejou dando vivas e as redes sociais, com seus memes, trouxeram até Leonardo di Caprio para o Ver-o-Peso. Tudo como dantes no Quartel de Abrantes!

Mas, como todos sabemos, alegria de pobre dura pouco. Consultando algumas decisões das cortes superiores, tarefa que costumo fazer de semana em semana, me deparei com uma decisão que, para mim- paraense -me deixou perplexo. Talvez nem tanto pelo conteúdo, que desde o ano passado por uma decisão monocrática da Ministra Carmen Lúcia já se mostrava uma tragédia anunciada, mas pela total falta de importância dada pela imprensa local e pelo desconhecimento completo e generalizado daquelas pessoas as quais mais ela afeta: Os moradores das ilhas fluviais que sofrem influência das marés, como Combu, Mosqueiro, Caratateua e Cotijuba.

Minha impressão foi a de que ninguém queria muito jogar água na chopada de festa da turma da Facu. A verdade é que não há muito o que se comemorar. Detesto dizer!

Em decisão colegiada, o STF confirmou que o Art.1, “c” do Decreto-Lei 9.760/1946 foi recepcionado pela Constituição de 88. O que isso significa? Grosso modo, que as ilhas fluviais que sofrem influência das marés passam a ser consideradas, definitivamente, bens da União, Terrenos de Marinha. Não cabe aqui me ater a detalhes mais técnicos, explicar conceitos ou enumerar artigos, incisos e leis. Quem quiser saber mais consulte a postagem no link abaixo feita por este mesmo portal.

Lei em: https://parawebnews.com/stf-mais-de-42-ilhas-do-para-passam-a-ser-bens-da-uniao/

Mas, sem me furtar a informar, todavia fugindo do “juridiquês” odioso, afinal isto é uma crônica, vou falar em português claro e me dirigir àquele leitor que nada vai ganhar com a COP-30, ou seja, quase todos nós paraenses.

Pois bem, para o município de Belém significa que perderemos mais da metade de nossa receita de ITBI. Trocando em miúdos, se já não comíamos picanha, segundo nossos governantes “vtzeiros” por falta de recursos, agora só nos restará a xepa.

E não para por aí. O proprietário de imóveis destas regiões, seja pequeno, médio ou grande, deixará de sê-lo e passará a ter apenas o “domínio útil”, uma espécie de ocupante, mesmo que para conseguir a propriedade tenha gastado muito tempo e dinheiro para registrar seu imóvel em cartório, como manda a lei. Cèst Fini e não adianta espernear.

Agora além do IPTU pagarão a “taxa de ocupação”. Voialà!!! Afinal quem de nós não quer pagar mais impostos?

Mesmo que tudo isso, para nós paraenses, lembre aquela sensação de azia após um açaí azedo, confesso que me preocupo muito mais ainda com o ribeirinho, o morador das ilhas. Aquele que sonha com a sua casinha e quer regularizá-la, andar na linha, quitar suas dívidas. Se a burocracia do município já lhe é bastante desgastante e confusa, será que seria razoável acreditar que institutos como “laudêmio”, “domínio útil”, “foro”, “taxa de ocupação”, que até mesmo para nós advogados não nos é tão familiar, facilitará a vida deles?

Infelizmente em um Brasil irrazoável, esquizofrênico e paranoico, onde o clima, as narrativas sobre as diminuições das queimadas na Amazônia, ou a capivara do TikTok, importam muito mais que os ribeirinhos, só podemos esperar que o Di Caprio, o Bono Vox, a Greta Thunberg, o Sting ou a Pequena Sereia, venham ao Pará, embarquem em um popopô e façam uma selfie com uma criança qualquer. Quem sabe uma daquelas que atracam nos barcos em uma canoa. Talvez assim a imprensa paraense, ativista, irá deixar de aplaudir os poderosos, heróis defensores da natureza, e voltará seus olhos para própria natureza, da qual o homem amazônico também é umbilicalmente parte integrante e dela não pode ser desassociado.

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