[Covid-19] Entenda como Belém conseguiu reverter as curvas de contágio e óbito
Por Cristina Graeml
É tanta notícia de Covid e coronavírus, tantos números, gráficos que a gente se perde! Mas passados alguns meses de pandemia é possível analisar períodos e fazer comparações. Isso é muito importante para entender melhor o que está acontecendo na região onde moramos e avaliar se as medidas impostas para a população merecem apoio ou críticas e, em alguns casos, até cobrança para que sejam revistas.
A equipe de Infografia da Gazeta do Povo fez um trabalho comparativo minucioso entre as capitais. É um ranking das 15 primeiras em número de novos casos diários do início de abril até 2 de julho, data em que o gráfico Covid-19 nas capitais brasileiras foi publicado. Analisando esse gráfico, chama muita atenção o caso de uma cidade específica: Belém.
A capital do Pará já esteve em colapso absoluto em maio, com hospitais lotados e tendo que mandar para casa doentes em estado moderado e grave, diminuindo as chances de sobrevivência e aumentando as de transmissão do vírus em ambiente doméstico. Mas Belém conseguiu reverter a curva de contágio e de mortes de forma rápida.
Para se ter ideia do que ocorreu lá, no feriado de primeiro de maio, dia do Trabalho, a cidade contabilizava 156 vítimas fatais da doença. Dia 31 já eram 1320. Em 30 dias morreram 1164 pessoas. Fiz a conta aqui: foram 39 mortes por dia em Belém no mês de maio, quando a média antes era de 3,9 por dia. Ou seja, em maio, a morte arrebatou dez vezes mais pessoas na capital do Pará do que nos 40 dias anteriores, desde o registro do primeiro caso por lá. Dez vezes mais em um mês!
Antes de detalhar o gráfico preciso explicar que ele foi feito a partir da média diária de novos casos em cada capital ao longo de todos os dias de abril, maio, junho e comecinho de julho, até o dia 2, data em que foi publicado.
O que é “média diária” de novos casos?
Como o levantamento dos novos casos é feito conforme vão saindo os resultados dos exames laboratoriais e nos fins de semana tem menos gente trabalhando nos laboratórios, há sempre um número menor de novos casos aos sábados e domingos, o que, obviamente, não reflete a realidade.
Por isso, com o passar das semanas, o próprio Ministério da Saúde passou a fazer uma média diária que vale para cada semana, porque soma o número total de casos de uma semana e divide por sete dias. Assim, se uma cidade registrou 700 novos casos ao longo de uma semana a média é 100 casos por dia, ainda que naquela semana o número divulgado no sábado e no domingo tenha sido bem menor e talvez em um ou outro dia da semana, bem maior.
Análise do gráfico Covid-19 nas capitais
Podia ficar descrevendo em palavras uma série de aspectos que me saltam aos olhos quando olho esse gráfico, mas prefiro que você mesmo clique no play do vídeo abaixo e veja para depois seguir lendo sobre o caso de Belém. Só preciso dar duas orientações.
Para facilitar a visualização as regiões são ilustradas em cores diferentes, capitais do Sudeste estão em laranja (então SP que está sempre em primeiro, porque é disparado a cidade mais populosa e isso reflete no maior número de casos é laranja, assim como Rio de Janeiro, que também figura entre as primeiras).
O Nordeste, que também tem várias capitais figurando sempre no topo da lista, aparece emverde; o Norte está em roxo; o Centro Oeste, em azul e o Sul, em preto.
A segunda dica é para esquecer os pontos em laranja e verde das capitais do Sudeste e Nordeste que ficam brigando pelas primeiras posições e direcionar o olhar para os pontos em roxo, das capitais do Norte do país, porque é em roxo que vai aparecer Belém. E quando Belém surgir olhe só para esse ponto.
Eu estou falando isso porque é a situação de Belém que eu quero destacar nessa análise. Depois de viver o inferno do colapso dos hospitais, Belém hoje está numa situação muito menos preocupante. A cidade, que chegou a registrar quase 900 novos casos em um único dia de maio, hoje tem média entre 130 e 230 novos casos diários. O número de internações e mortes cai a olhos vistos.
Veja, então o gráfico, em que Belém só começa aparecer entre as 5 capitais com maior número de casos diários na metade de maio, atrás de São Paulo, Fortaleza, Manaus e Recife. No dia 18 começou a cair foi ultrapassada pelo Rio de Janeiro, depois Salvador. Teve alguns dias de oscilação pra cima e pra baixo no gráfico até o fim de maio.
Em junho começou a cair mais. Em dez dias já estava em 11° lugar, tinha sido ultrapassada por várias outras capitais do Norte e do Nordeste: Aracaju, Maceió, João Pessoa e Porto Velho. Além de estar atrás daquelas que já figuravam no topo do ranking: Manaus, Fortaleza, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, primeira capital do Centro Oeste a figurar no topo do ranking.
Natal, Macapá e Goiânia (mais uma do Centro Oeste) avançaram sobre Belém. Depois Boa Vista derrubou a capital paraense para a 15ª posição, até que ela sumiu do mapa no fim do mês de junho Belém. não constava mais entre as 15 capitais com maior disseminação da doença.
Olhando as últimas comparações do gráfico outra coisa que chama a atenção é que só em julho uma capital do Sul aparece no ranking: justamente Curitiba, que vinha sendo considerada exemplo pelo baixo número de casos e de mortes.
Em 1° de julho Curitiba passou a registrar mais de 200 casos por dia e passou a figurar em 13° lugar entre as capitais com maior média diária de novos doentes de Covid-19. No dia seguinte, 2 de julho, Curitiba subiu uma posição, para 12°. Belém voltou a figurar na lista, mas ainda assim atrás de Curitiba, em 13°.
Como eu sou em Curitiba, cidade que já estava reabrindo a economia e voltou a fechar tudo (aliás o Paraná entrou o mês de julho de novo no que o governador chama de isolamento restritivo, que é quase um lockdown, onde só serviços essenciais são autorizados a funcionar e há restrições também para o funcionamento de supermercados e farmácias), resolvi procurar alguma diferença significativa entre o que foi feito em Belém e Curitiba para tentar entender a como Belém está registrando menos casos diários e Curitiba mais.
As restrições na circulação de pessoas são parecidas. Uns apontam o frio, que chegou com força aqui no Sul assim que o inverno começou, como culpado pelo aumento no número de doentes em Curitiba. Mas há outra diferença fundamental entre as políticas públicas adotadas pelas duas cidades que podem estar por trás dos resultados atuais.
Belém, assim como várias outras cidades do país, especialmente as menores, adotou o protocolo sugerido pelo Ministério da Saúde e começou a tratar os doentes nos primeiros sintomas com os polêmicos remédios já usados para outras doenças, mas que não teriam comprovação científica de eficácia no tratamento de Covid-19.
Curitiba não adotou o protocolo. O Paraná, aliás, também não aderiu, ainda, ao tratamento precoce no serviço público de saúde, embora o secretário de Saúde admita que estuda a possibilidade. Fato é que Belém, que já esteve em colapso não só na saúde pública, mas até na rede particular, vem registrando cada vez menos casos novos e menos casos graves, aqueles que exigem internação. Por isso, menos mortes também.
Operadora de saúde reduziu as internações a zero em 7 dias
O exemplo mais claro da mudança nas curvas de contágio, internações e mortes vem de uma rede particular de saúde: a Unimed de Belém. Segundo a diretora do plano de saúde, a médica infectologista Vânia Brilhante, os médicos associados vinham tratando só os casos moderados e graves, mas quando a situação na cidade ficou incontrolável, a operadora se viu obrigada a rever a estratégia.
Ela própria diz ter buscaram a experiência de outra operadora, a Prevent Senior de São Paulo, que atende exclusivamente pacientes idosos (grupo de maior risco para Covid-19) e desde o início da pandemia tem ótimos resultados para cura e poucas internações.
O caso da Prevent Senior já é conhecido. Seus médicos, junto com o presidente da República, foram os primeiros a falar em tratamento precoce de Covid com o antiviral hidroxicloroquina, já largamente usado para outras doenças, com raros efeitos colaterais.
A Unimed de Belém tem 310 mil associados e uma capacidade de atender bem 1500 por dia, no máximo 2000 em situações extremas. Pois a operadora viveu essa situação extrema por vários dias seguidos. Tratou mais de 50 mil pessoas em questão de semanas. Isso significa que de cada 6 associados um teve Covid. Tudo ao mesmo tempo.
Em entrevistas a Dra. Vânia Brilhante conta que os pacientes chegavam mortos ao hospital. Abriam a porta do carro e tiravam a pessoa já morta. Mesmo tendo um hospital exclusivo para os associados, o plano de saúde não tinha mais leito para receber tanta gente. Os médicos precisavam entubar pessoas no corredor do hospital. O relato é dramático, mas ela também traz muita esperança quando explica o que aconteceu depois que adotaram o tratamento dos casos leves.
“Foi um divisor de águas pra nós. Tudo mudou. Em sete dias nossos pacientes pararam de procurar nossas unidades de urgência, em sete dias a nossa Policlínica conseguiu atender e fornecer medicamento pra todo mundo que procurava dos casos leves, em sete dias a gente saiu do nosso colapso”.
Vânia Brilhante, diretora Unimed Belém em videoconferência
Sete dias! Uma semana apenas! Se você quiser ouvir a própria médica descrevendo o que foi feito para reverter o gravíssimo quadro da pandemia em tão pouco tempo acesse aqui. É um debate entre médicos de todo o Brasil com mediação do jornalista Alexandre Garcia. A fala da Dra. Vânia começa depois de uma hora de vídeo.
Em resumo: depois de começar a fornecer o kit de remédios para pacientes com sinais leves de Covid-19 a Unimed-Belém praticamente zerou as internações, diminuiu consideravelmente a frequência de atendimentos nas unidades e, como tinha comprado uma quantidade enorme de remédios, mas os doentes foram escasseando, acabou doando medicação para mais de cem cidades do interior do Pará. que agora estão colhendo os mesmos resultados.
Os médicos lá entenderam que era uma situação de guerra e, estando no campo de batalha, decidiram que não havia como esperar publicações em revistas científicas indicando qual medicamento funciona melhor. Aplicaram o que, na prática, já deu resultado com milhares de pacientes na fase 1 da doença em vários lugares do mundo, da Austrália a Honduras.
É claro que todos os pacientes passaram por consulta médica, foram informados da não comprovação científica da eficácia do remédio (exatamente como no caso do Tamiflu para H1N1 ou da prórpio hidroxicloroquina para zica vírus, ambos usados sem estudos conclusivos em situação de epidemia). E só tomou os remédios quem quis.
Além disso, médicos e enfermeiros, que estavam expostos demais porque atendiam doentes em fase de transmissão do vírus, foram medicados de forma preventiva. Os que aceitaram, claro (a maioria). Isso fez zerar o número de casos entre os médicosda operadora de saúde.
E aí você deve estar se perguntando: o que aconteceu nos postos de saúde e hospitais públicos de Belém? Não tenho todos os dados, mas o estado do Pará e todas as prefeituras mudaram a recomendação e começaram a pedir para população não esperar em casa pelo agravamento dos sintomas.
A ordem lá passou a ser procurar médico diante de qualquer dor de garganta, tosse, febre, dor de cabeça, dores no corpo, cansaço, diarreia. perda de olfato ou paladar. Hoje, as curvas em Belém estão bem diferentes daquelas registradas na maior parte das capitais brasileiras. Como diz-se popularmente: só não vê quem não quer.
Fonte Gazeta do Povo