Coluna

O Círio da Virgem “fake”

Por Eduardo Cunha

Eu tinha um amigo que sempre dizia que nunca faltava ao trabalho para que o patrão não descobrisse que sua presença não era tão fundamental assim. Pois, bem, algo de semelhante parece ter acontecido com o Círio de Nazaré, este ano.

Quem disse que não existe Círio sem Varanda, sem Fafá, padre Fábio de Mello e Zeca Camargo? De fato, este ano, o Círio foi bem diferente de todos os outros e, oxalá nos sirva para separar o que é fé, do que não é essencial.

Mirem-se no exemplo do Natal sem Papai Noel.

Este ano, não foram montadas arquibancadas vips para celebridades e autoridades assistirem à passagem da berlinda e da Santa. Não teve pirotecnia e nem pop star cantando “Vós sois o lírio mimoso”.

A bem da verdade, este ano sequer teve corda, berlinda e muito menos Santa. Bom, pelo menos não as tradicionais, as oficiais, as “tops”, As relíquias de propriedade da igreja católica.

E como, sem a fé, as imagens são apenas argila e barro, quem disse que o povo não pode emprestá-la à outras imagens, tal qual a oficial também feita de argila e barro?

Povo – Essas parecem ter sido a filosofia e tônica deste Círio 2020, ou seja, a do “faça você mesmo”, ou DIYdo it yourself“, do tipo “Se não tem tu, vai tu mesmo”. Afinal, se o Círio se tornou um grande evento resultado do trabalho de muitos profissionais e especialistas, não podemos negar que começou da simplicidade do povo de seguir em cortejo uma virgem de barro, que resumia toda fé do sofrido povo paraense.

Devido à pandemia do Covid-19, a direção do Círio, prudentemente, seguindo orientação das autoridades seculares, achou por bem realizar o Círio de forma não convencional, para evitar aglomerações. A imagem percorreu o percurso de helicóptero com transmissão on line para os devotos e romeiros, internautas e telespectadores.

Promessas – E como ficaram os romeiros que esperaram o ano inteiro para pagarem suas promessas, com casas, carros, e membros humanos de cera na cabeça? E aqueles outros que, de joelhos, percorrem todo ano o trecho que liga a igreja de Sé à Basílica pagando alguma promessa ou apenas mostrando sua devoção?

A esses a Providência deu uma outra Santa, a do povo. Bastou alguém surgir com uma imagem na carroceria de um automóvel, que todos passaram a segui-la com a mesma fé, tal qual a Imagem Peregrina.

Que importa se aquela imagem não foi a encontrada às margens do igarapé Murutucu , lugar onde ergueram a Basílica de Nazaré? Que importa se é uma virgem “fake” comprada em uma loja de artigos religiosos e não a relíquia da Virgem de Nazaré oficial, aquela que faz milagres?

Parece que o povo deu uma senhora resposta às críticas que, durante séculos, evangélicos e estudiosos mais rigorosas da Bíblia fizeram aos romeiros do Círio: é a fé quem dá santidade ao barro e ao pó. Símbolos são apenas símbolos, representações, nada mais.

A verdadeira Virgem de Nazaré não está trancada em igrejas seculares, não visita órgãos públicos, não é erguida por autoridades, não é protegida por domos e redomas, mas está, sim, no coração de cada paraense que crê, pois é no coração de cada homem quem nasce o Cristo, afinal, “O reino de Deus está em vós”.

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