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Multinacionais lucram com discurso ambiental, enquanto ribeirinhos do PA vivem na extrema pobreza

Um estudo produzido pelo Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais revela que mais de 714 mil hectares da cidade de Portel, no norte do Pará foram — e continuam sendo — explorados comercialmente por meio de projetos de Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação de Florestas, conhecidos como REDD. As informações são do The Intercept Brasil.

A quantidade de terras equivale a 28% do território total do município, de pouco mais de 63 mil habitantes. O objetivo do projeto REDD é vender créditos de carbono para empresas estrangeiras compensarem suas emissões de poluentes no planeta.

Desses 714 mil hectares, 200 mil estão sobrepostos em terras públicas em fase de implementação de três projetos de assentamento para famílias que vivem do extrativismo na floresta, ao encargo do Instituto de Terras do Pará, o Iterpa. São terras públicas que estão sendo utilizadas para obtenção de lucros privados, embora os proponentes afirmem ter respaldo legal.

Entre as empresas compradoras dos créditos estão gigantes de diversos setores do mercado internacional, como Boeing, Delta Airlines, Air France, Amazon, Repsol, Samsung, Toshiba, Kingston e até o clube de futebol Liverpool, da Inglaterra.

“Há também intermediários que compram créditos dos projetos em Portel e revendem para empresas poluidoras e para todo o tipo de iniciativas, como festivais, agências de viagem, feiras, congressos, entre outros. Entre esses intermediários, estão empresas como Stand for Trees, ClimatePartner, Allcot e Offsetters Clean Technology”, aponta o relatório.

Não é possível saber quanto, até o momento, os proponentes faturaram vendendo os créditos de carbono às empresas. Na base de dados Verra existem planilhas de três dos quatro projetos com a quantidade de créditos vendidos e as empresas compradoras. Mas não há informações exatas sobre o valor de venda de cada crédito.

O estudo do WRM faz uma estimativa a partir do valor médio de 5 dólares por crédito. O projeto REDD RMDLT Portel-Pará, que teve início em 2008 e vai até 2047, já vendeu mais de 7 milhões de créditos — o que corresponderia a 35 milhões de dólares.

O projeto Pacajai REDD+ Project, com início em 2009 e previsão de término em 2048, já comercializou 22 milhões de créditos, o que significaria um faturamento de 50 milhões de dólares. O Projeto Rio Anapu-Pacajá REDD faturou pelo menos 30 milhões de dólares com a venda de 6,3 milhões de créditos.

Na base de dados Verra não aparece, até o momento, a planilha de vendas do projeto Ribeirinho REDD+ — o mais novo entre os quatro, com início em 2017 e término previsto para daqui a 30 anos.
O WRM afirma que os ribeirinhos entrevistados para a produção do estudo e residentes nas áreas dos projetos não têm informação sobre quantos créditos foram vendidos ou para quem, nem sobre o valor dos investimentos realizados em Portel.

Entre os benefícios oferecidos aos ribeirinhos para que aceitem os projetos REDD em seus territórios está a oferta feita pelos proponentes do título das terras, o que, supostamente, geraria segurança fundiária e estabilidade às famílias.

O que é apresentado nos quatro projetos como esse título, no entanto, é o Cadastro Ambiental Rural, o CAR, um registro autodeclaratório nacional, feito de forma eletrônica e obrigatória para todos os imóveis rurais. Sua função, segundo a lei, é integrar informações ambientais das propriedades em um banco de dados federal para fins de monitoramento, planejamento ambiental e combate ao desmatamento. A lei é explícita ao dizer que o CAR “não será considerado título para fins de reconhecimento do direito de propriedade ou posse”.

Greene me enviou mais de mil CARs registrados em nome de ribeirinhos de Portel a partir de um dos projetos liderados por ele, como prova de seu empenho em “pagar para 2.217 famílias obterem seus direitos à terra”, segundo me disse na primeira mensagem que trocamos.

“A forma como os CARs são explicados nos projetos induz a uma compreensão equivocada. A documentação dos projetos sugere ainda que depois de 30-40 anos, os moradores ganhariam o ‘título oficial’ da terra, deixando margem para uma interpretação – falsa – de que empresas privadas teriam competência para emitir títulos de terra, o que é uma atribuição do Estado brasileiro”, alerta o relatório.

E a confusão atravessou o Atlântico. A Climate Partner, empresa alemã que vende créditos de carbono a partir de projetos REDD em Portel, afirma em seu site que a ideia do projeto é “continuar preservando a floresta tropical e conceder oficialmente aos ribeirinhos, os habitantes da Amazônia, os direitos de terra correspondentes”.

Segundo Nilson Corrêa da Silva, do STTR, a criação dos CARs pelas empresas têm gerado conflitos internos nas comunidades. “Se minha terra era dividida há 100 anos por uma castanheira, agora uma empresa diz que eu tenho direito a 100 hectares de terra. Se a terra não tinha 100, o cara queria 100. Se a terra tinha mais de 100 hectares, já dava confusão com outros vizinhos. Gerou um conflito muito grande na região que a gente não conseguiu controlar até hoje. Estamos fazendo plenárias para mobilizar comunidades rurais para fazer o debate sobre isso”, relatou Silva.

Ronaldo Duarte Marinho, morador da comunidade ribeirinha Sagrado Coração de Jesus, no assentamento Joana Peres 2, me contou que foi difícil o enfrentamento com os funcionários dos projetos de Greene que pretendiam fazer o CAR individual das terras coletivas do assentamento.

“Eles chegaram até a ameaçar a gente, porque andavam com ex-policial no barco contratado por eles. A gente via que ele estava armado. Eu cheguei a ir duas vezes no barco pedir para não fazerem [o CAR individual]. Na área em que eu moro, eles não fizeram, eu não deixei. Mas eles ficavam bravos com a gente, diziam que eu era contra o trabalho social que ia ajudar todo mundo”, revelou Marinho.

O assentamento Joana Peres 2, com cerca de 1.200 famílias e quase 7 mil pessoas, recebeu em julho deste ano o título de concessão de direito real de uso do governo do Pará. Depois disso, um dos projetos REDD de Michael Greene suspendeu as construções de escolas no território.

“Eles inventaram de construir umas escolas dentro das áreas onde fizeram os CARs. Eles fazem qualquer coisa, tiram foto e pegam assinatura das pessoas para aprovar o projeto lá fora. A gente entrou com um pedido, pela associação, na Semas e no Ministério Público para o cancelamento dos CARs pequenos [individuais]. Parte dos CARs estão suspensos. O CAR coletivo do assentamento ainda não saiu, mas deve sair até o final de novembro”, adiantou o ribeirinho.

Com informações The Intercept Brasil

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