POLÍTICA

Licenças remuneradas pagas a servidores candidatos nas eleições poderão custar R$ 1 bilhão aos cofres públicos

A eleição deste ano ficará mais cara para os cofres públicos por conta das licenças remuneradas pagas aos servidores dos estados, municípios e da União. Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apontam que o número de funcionários afastados em busca de cargo político cresceu 8% em quatro anos. Especialistas estimam que o custo para o orçamento pode chegar a R$ 1 bilhão durante o período de afastamento.

Os números levam em consideração aqueles funcionários que declararam ao TSE a profissão de servidor estadual, municipal, federal, da Justiça Eleitoral, além de policiais civis, militares, bombeiros e pessoas da Forças Armadas.

NÚMEROS – Este ano, 47.154 servidores se inscreveram para concorrer a uma vaga de prefeito, vice ou vereador. Em 2016, eram 43.721. A maior parte, cerca de 75%, é de servidores públicos municipais. O número, no entanto, pode ser ainda maior, se considerados aqueles que têm vínculo estatutário, mas declararam outra profissão, como médicos e professores.

Pelas regras da Constituição, a remuneração dos servidores que disputam eleições é permitida durante o afastamento eleitoral. Ou seja, mesmo não exercendo sua função, o salário fica garantido pelo período em que o servidor está fazendo campanha.

Com o aumento do número de servidores deste ano e considerando a inflação acumulada do período, os pesquisadores Humberto Dantas, da FGV, e Fernando Botelho, da USP, responsáveis por medir o custo dessa medida na eleição de 2016 em um estudo, estimam o gasto com licenças remuneradas em mais de R$ 1 bilhão.

GASTOS INDIRETOS – Em 2016, os afastamentos custaram cerca de R$ 700 milhões ao erário, considerando mais de 80 mil pessoas com vínculo público, identificadas a partir da Rais, base de dados do Ministério da Economia com salário de todos os trabalhadores formais do país. Os pesquisadores também usaram dados do TSE para fazer o cálculo.

Eles afirmam que além dos 47 mil identificados, há funcionários em carreiras correlatas no setor público e privado, cuja separação não é possível somente com os dados da Justiça Eleitoral. Ou seja, o número total pode chegar a quase 90 mil pessoas.

“Temos 10% de vereadores a mais registrados, e de prefeito e vice, algo entre 10% a 20%. Isso vai bater R$ 1 bilhão. Há ainda a correção pela inflação no período, reajustes e aumento das candidaturas dos militares”, explica Humberto Dantas, cientista político da FGV.

FUNDO ELEITORAL – O valor pago em salários representa metade da verba destinada ao fundo eleitoral este ano, de cerca de R$ 2 bilhões, e pode ser ainda maior, se considerados os custos indiretos gerados pela ausência dos servidores. Já que há menor contingente de pessoal, serviços deixam de ser prestados e, em alguns casos, é necessário pensar em reposição temporária, o que gera custos adicionais.

Em Borá, menor cidade de São Paulo, com 838 habitantes, cerca de 10% dos servidores municipais se desincompatibilizaram para concorrer este ano. Dos 41 candidatos, 12 são funcionários públicos.

Na coligação do Republicanos para vereador, partido do prefeito Wilson Pereira Costa, que tenta a reeleição, o percentual de 30% de mulheres só é cumprido graças às funcionárias públicas. Das três candidatas na chapa com 12 membros, duas trabalham na prefeitura. O prefeito não respondeu aos contatos do GLOBO.

EMBLEMÁTICO – “O professor que é candidato, por exemplo, não deixa o aluno sem aula, é preciso repor”, explica Humberto Dantas. “Menos dois mil agentes no policiamento ostensivo. Só esse número, por exemplo, já é algo emblemático e catastrófico”, acrescenta.

Segundo Dantas, grupos políticos utilizam servidores como cabos eleitorais, principalmente em cidades pequenas. Com a licença remunerada, eles acabam fazendo campanha para prefeitos, em vez de suas próprias para vereador, enquanto recebem salários.

Ou seja, pagos com dinheiro público, atuam em prol de uma candidatura e, em muitos casos, são beneficiados no futuro com um cargo comissionado. Algo que, para Dantas, assemelha-se a um “novo concurso público”. Em 2016, das 24 mil pessoas que receberam um ou nenhum voto na eleição, ao menos 711 eram servidores municipais.

DENÚNCIA – Em Santa Catarina, o Ministério Público estadual denunciou duas servidoras do município de Ermo que não concorreram efetivamente ao cargo de vereador, tanto que não ganharam voto algum. Em vez disso, fizeram campanha para outros candidatos. Mesmo assim, receberam os salários.

“É uma estratégia filiar servidores com objetivo de tê-los como cabos eleitorais”, diz Dantas. “É como uma doação estimada (aquela que o valor lançado é o custo estimado do serviço)”, acrescenta. Há, ainda, o uso da folga remunerada de 90 dias para cumprimento das cotas de legislação eleitoral ou uso deliberado como férias. Em todo o país, há registros de pessoas que utilizaram o período de afastamento para viajar.

DEVOLUÇÃO – Segundo a legislação eleitoral, caso haja identificação de irregularidades, os responsáveis podem ter que devolver o dinheiro recebido no período, pagar multa proporcional ao valor recebido, além de perder o cargo exercido e os direitos políticos.

Para Fernando Botelho, da USP, há um custo significativo aos cofres públicos, principalmente em cidades pequenas. Ele afirma que isso poderia ser resolvido com uma reforma que coloque licença não remunerada para esses servidores: “Há uma assimetria entre público e privado. A ideia é ter isonomia, todo mundo tratado igual dentro das peculiaridades necessárias”.

Fonte O Globo

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