Coluna

Fake news, livre expressão e censura

O combate a fake news tem se mostrado um grande desafio à comunicação dos tempos modernos e, ao mesmo tempo, a justificativa para a sanha totalitarista de alguns políticos que não conseguem conviver com críticas nas redes sociais.

Fake news, em essência, é a notícia falsa, mas curiosamente todas as preocupações sobre ela têm se voltado apenas para as notícias de cunho político e divulgadas por veículos de comunicação não tradicionais.

Mas será que os meios de comunicação tradicionais, no passado, não publicavam notícias falsas? Serão as fake news uma criação atual ou elas apenas se adaptaram aos tempos modernos?

Bem, o fato é que estratégias modernas como o uso de robôs, disparos em massa pelo WhatsApp, a contratação de defensores virtuais e outras ferramentas tecnológicas utilizadas como guerrinha em ambientes digitais, surgiram há pouco tempo e têm criado um grande embaraço à própria democracia, devendo ser combatidas com firmeza e rigor.

Por outro lado, parece ser nítida a necessidade de algumas autoridades dos três poderes em criar embaraços à livre manifestação do pensamento, em um retorno à censura sem precedentes. 

No Pará, o governador Helder Barbalho e a Assembleia Legislativa promulgaram uma aberração jurídica, a qual previa como crime qualquer manifestação ofensiva a autoridades públicas, mesmo que a competência para criação de crimes e penas seja privativa da União. 

Em outros estados, preferiu-se criar sanções administrativas (multas) para coibir quem se utilizasse da pandemia do novo Covid-19 para criar ou espalhar fake news.

Mais atualmente o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou buscas e apreensões nas residências de jornalistas, humoristas e aliados ao presidente Jair Bolsonaro, em um processo questionável no qual o próprio magistrado também é a vítima, o investigador e o acusador. 

O curioso disso tudo é que não há capitulação das fake news no Código Penal e nem em leis esparsas e as condutas são punidas como crimes contra a honra, calúnia, difamação e injúria. A lei 13.834/2019 prevê uma espécie de crime de calúnia com finalidade eleitoral. 

Mesmo assim, parece haver uma tendência, deliberada ou não, em associar os crimes contra a honra às fake news. Não é verdade. Há condutas que extrapolam o limite da crítica, mas que não são necessariamente notícias falsas.

Se um internauta chama um político de bandido nas redes sociais, estamos claramente diante de uma ofensa à honra, todavia, seria um pouco forçado chamar isso de fake news.

Por outro lado, nem sempre uma fake news ofenderia a honra de alguém, como são exemplos as notícias falsas que circularam sobre a utilização de remédios caseiros que curariam a Covid-19.

Talvez por isso, algumas pessoas defendam tanto a criação de novos tipos penais prevendo especificamente o crime de fake news. Segundo elas, a legislação penal é falha em alguns casos onde não há ofensa a um sujeito determinado.

Por outro lado, os críticos veem com bastante desconfiança a busca de trazer para proteção do Direito Penal esta conduta, lembrando o caráter de ultima ratio presente na área em questão. Ou seja, a intervenção penal por parte do Estado apenas se presta a punir as ofensas mais graves aos bens jurídicos mais fundamentais.

Além disso, é inegável que a cobrança aos políticos se intensificou na última década, muito em razão das redes sociais. E há um desejo manifesto da classe política em frear esta situação incômoda. 

Ora, o discurso que temos ouvido da classe política parece ser do tipo “Notícia verdadeira é aquela que fala bem de mim, fake news é, por sua vez, aquela que fala mal”. Como não pensar que o crime de fake news, em sendo criado, não será usado como ferramenta para calar adversários e críticos?

De mais a mais o Brasil tem como um dos princípios o pluralismo político, tendo a oposição o papel dialético relevante na construção de uma democracia mais evoluída e justa. Governo sem oposição é democracia de fachada. Governo sem controle, que antes de tudo, é feito pela imprensa e sociedade civil, é ditadura institucionalizada.

Soma-se a isso um problema ideológico-filosófico subjacente, qual seja: caberá ao juiz dizer o que é verdade ou não? Pensemos que um blog de espectro político mais alinhado à esquerda afirme que o impeachment da ex-presidente Dilma Roussef foi um golpe, estaria ele dizendo a verdade ou estaríamos diante de uma fake news? Se outro, mais à direita, afirma que, pelo fato de os ministros do STF serem indicados pelos presidentes, suas decisões são decisões eminentemente políticas, estaríamos diante de quê?

O que nos parece ser um desafio maior não é a criação de tipos penais ou sanções administrativas, mas a identificação dos criminosos quando esses publicaram ou divulgaram condutas previstas como crimes em nossas leis penais. Todavia, este não é um problema exclusivo dos crimes contra honra, mas de praticamente todos os crimes, devido ao avanço tecnológico e da evolução dos métodos de delinquir. 

Se a fake news é um verdadeiro mal dos nossos tempos, a censura certamente não pode ser o remédio. 

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