O tarifaço de Trump: O Problema dos 3 Corpos
Por Eduardo Cunha
É quase impossível ligar a TV ou rolar as redes sociais sem topar com o chamado “tarifaço”: sanções de 50% anunciadas por Donald Trump sobre produtos brasileiros — de café e suco de laranja a carnes e aviões.
No Brasil, o noticiário não sai do tom dramático: câmeras acompanham Lula e seus secretários; especialistas debatem medidas recíprocas e suas consequências na economia; e até ameaças de processos na OMC já circulam. Nas redes, fervilha a batalha de narrativas — todos em busca de culpados e inocentes.
Um lado acusa o presidente Lula de provocar abertamente a maior potência econômica do mundo. De fato, o petista já comparou o norte-americano ao nazismo, autorizou a atracação de navios de guerra iranianos no porto do Rio de Janeiro e manteve aproximações com o Hamas — chegando a ser declarado persona non grata por Israel. Também não faltaram alfinetadas ao ex-presidente Donald Trump, como quando Lula o mandou “falar manso”. Mais recentemente, durante a 17ª Cúpula do BRICS, no Rio de Janeiro, defendeu a desdolarização do comércio internacional, propondo o uso de moedas locais entre os países do bloco.
Tudo isso, claro, sem contar o retumbante “fuck you” disparado por sua esposa, Janja, ao bilionário Elon Musk, aliado político de Trump.
Não se pode chamar isso exatamente de relações diplomáticas cordiais. Parece mais uma clássica tentativa de provocar a onça com vara curta.
Do outro lado da queda de braço de narrativas, alega-se que o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro teria ido a Washington pedir sanções contra o Brasil como forma de pressionar por uma anistia ao seu pai. De fato, após o anúncio do novo tarifário, o deputado publicou na plataforma Truth Social um vídeo em que agradece diretamente ao ex-presidente Donald Trump e conclama os brasileiros a apoiarem a medida.
A Eduardo recai a acusação de atuar como articulador do governo Trump, promovendo ingerência estrangeira contra a soberania nacional.
A carta de Trump — ainda que pairando dúvidas sobre os reais motivos alegados para justificar a imposição de tarifas — faz menção explícita ao que chamou de “caça às bruxas” e perseguição política a Jair Bolsonaro, cuja prisão, sejamos francos, parece cada vez mais próxima, diante das acusações de tentativa de golpe de Estado.
O mais curioso — para não dizer cômico — é ver os autoproclamados guardiões do nacionalismo de repente flertando com potências estrangeiras, enquanto os campeões da alta carga tributária e da pretensiosa intervenção em conflitos internacionais agora posam de vítimas, apontando em Trump exatamente os pecados que sempre cometeram. Ironia pouca é bobagem.
Certos ou errados, pouco importa: todos sabem muito bem quem vai pagar a conta dessa queda de braços digna de novela ruim — o povo brasileiro, claro, aquele mesmo que apertou “confirma” nas urnas. A alta do dólar já pressiona os preços, o risco de inflação aumenta, setores como o agro e a indústria perdem competitividade, e o crescimento do PIB pode desacelerar. No campo político, o desgaste é generalizado — tanto para o governo quanto para a oposição.
Talvez seja justamente por isso que os envolvidos gastam tanto tempo tentando construir vilões e mocinhos. No fim, a dramaturgia política sempre precisa de um culpado… desde que não esteja no espelho.
Então pensei: essa novela tarifária me lembrou O Problema dos 3 Corpos, série de ficção científica da Netflix baseada na obra homônima de Cixin Liu.
Na trama, uma jovem chamada Ye Wenjie presencia seu pai, um astrofísico, ser espancado até a morte durante o auge da Revolução Cultural e da ditadura comunista chinesa.
Anos depois, já adulta e seguindo os passos do pai, Ye é recrutada para um projeto secreto do governo chinês cujo objetivo é estabelecer contato com inteligências extraterrestres.
Num descuido dos militares, ela acaba sendo a primeira a fazer contato. E, traumatizada pelo regime opressor que vivia, toma uma decisão extrema: pede ajuda aos alienígenas para invadirem a Terra, o que vem, de fato, a ocorrer.
Em um dilema moral onde culpa e contexto se embaralham, resta a pergunta: quem é o verdadeiro responsável? A jovem marcada pelo trauma? A ditadura chinesa que tanto lhe perseguiu? Talvez ambos.
E quanto ao desfecho — alguém poderia me perguntar:
“E aí? Quem ganha? Como termina essa história?”
Confesso: ainda não vi o final da série.
Mas, considerando o roteiro da vida real… é melhor nos prepararmos. E esperar.



