Compra de imóvel pela Prefeitura de Marituba levanta suspeitas de irregularidades
A Raposa e as Uvas: Uma Fábula Atual

Na noite de Ano Novo de 2025, a prefeita de Marituba, Patrícia Alencar (MDB), compartilhou um vídeo em suas redes sociais, em que aparece comendo 12 uvas debaixo de uma mesa. Segundo a tradição, essa simpatia visa atrair prosperidade para os 12 meses do ano, sendo que cada uva simboliza um mês.
No entanto, resta-nos a pergunta: prosperidade para quem, exatamente?
No primeiro mês de 2025, o ParaWebNews teve acesso a documentos e informações sobre a aquisição de um imóvel destinado à construção de uma nova escola em Marituba. Contudo, a compra tem gerado intensos questionamentos entre os moradores do município, que levantam dúvidas sobre sua legalidade e moralidade.
A Compra da Uva: Escolha Direta e Dispensa de Licitação
A Prefeitura de Marituba, por meio da Secretaria Municipal de Educação (SEMED), adquiriu um terreno para a construção da Escola Municipal de Ensino Fundamental I e II, dentro do Projeto Espaço Educativo. O projeto prevê 12 salas de aula, seguindo os padrões do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), para atender à crescente demanda da Rede Municipal de Ensino.
A SEMED optou pela compra direta, dispensando o processo de licitação exigido na maioria dos contratos administrativos.
A justificativa apresentada foi a suposta escassez de terrenos devidamente regularizados no município, somada ao fato de que muitos imóveis na região estão sob domínio estadual. Segundo a administração municipal, os proprietários do terreno ofereceram um preço significativamente abaixo do valor de mercado, conforme avaliação técnica de um corretor credenciado. Essa proposta, além de atender às necessidades da SEMED, traria economia financeira ao município.
O valor da aquisição foi de R$ 2.819.167,43, com recursos provenientes do FNDE. Apesar de sua estrutura residencial, a escolha do imóvel foi justificada com base em suas características e localização, que supostamente atenderiam ao projeto.
Dimensões Inadequadas e Planejamento Questionável
Desde o início, surgem dúvidas sobre a adequação do terreno para a construção de uma escola. Conforme os padrões do FNDE, uma sala de aula deve ter 50,33 m². Para as 12 salas previstas, seria necessária uma área mínima de 603,96 m², sem considerar espaços essenciais como banheiros, cozinha e biblioteca. Com essas necessidades, o espaço ideal para o projeto seria entre 800 e 1.000 m².
O imóvel adquirido, porém, possui apenas 544,66 m² de área construída, embora o terreno totalize 10.237,00 m². A estrutura residencial existente exigirá grandes adaptações, enquanto a vasta área não edificada poderia comportar a construção de pelo menos 10 escolas com 12 salas de aula.
Resta, portanto, a inevitável pergunta: quais são os planos da Prefeitura de Marituba para a utilização dessa área excedente não edificada?
Embora a Administração Pública tenha discricionariedade em suas decisões, estas devem obedecer a critérios mínimos de razoabilidade e proporcionalidade.
O Preço da Uva: Comparações com Imóveis de Luxo
Um ponto que merece destaque é o valor da aquisição, que gira em torno de três milhões de reais. Com esse montante, seria possível adquirir, pelo menos, seis mansões no condomínio de luxo Jardins Marselha (residência da elite política e econômica de Marituba), que conta com infraestrutura completa, incluindo piscina, churrasqueira, playground e salão de festas. Essa discrepância torna-se ainda mais evidente quando comparada com o valor de imóveis em áreas mais valorizadas, como pode ser facilmente verificado em aplicativos de venda, como ZapImóveis, Viva Real e OLX. Vale lembrar que o imóvel adquirido está situado em uma região periférica, no bairro do Mirizal, o que ressalta ainda mais a diferença entre o valor pago e as opções de investimento em localidades com maior valorização.

Rapidez Administrativa: Eficiência ou Pressa Suspeita?
O trâmite surpreendentemente rápido também merece destaque. Desde a autorização para dispensa de licitação até o pagamento final, passaram-se apenas 17 dias.
No dia 6 de dezembro de 2024, a autorização foi assinada pela secretária municipal de Educação, Viviane Fontinele Ferreira. Poucos dias depois, o empenho foi realizado e, quase na véspera do Natal, o pagamento foi efetuado.
Essa agilidade chamou atenção até mesmo do setor jurídico da prefeitura. Apesar de o parecer jurídico ter aprovado a dispensa de licitação, recomendou que o contrato fosse formalizado por escritura pública lavrada em cartório, com seu teor divulgado no site oficial da prefeitura.

Os Donos da Videira: Vínculos e Conexões Políticas
As “estranhezas” na contratação sem licitação vão além. O terreno adquirido pertence a Manoel Geando Carneiro e Irlan Carneiro Pereira, que, conforme informações, mantêm vínculos estreitos — a semelhança entre os sobrenomes e características físicas sugerem até uma possível relação de parentesco — com o vereador Raimundo Carneiro (MDB), presidente da Câmara de Marituba e aliado político da prefeita Patrícia Alencar.
Bem, se parentes ou não, o certo é que Irlan, por exemplo, foi servidor da Câmara Municipal até 2023, lotado no gabinete do vereador Raimundo Carneiro.

A Raposa e as Uvas: Uma Fábula Atual
Em resumo, a Prefeitura de Marituba adquiriu um imóvel a um custo superior ao de propriedades em condomínios de luxo, além de um terreno que dificilmente será plenamente utilizado. A negociação foi conduzida com uma rapidez impressionante, envolvendo proprietários cuja proximidade com o presidente da Câmara Municipal — aliado político da prefeita — levanta questionamentos éticos.
Para parafrasear a fábula de La Fontaine, cabe-nos manter a vigilância tanto sobre a raposa quanto sobre as uvas.