
Serviços essenciais estão entre as principais prioridades dos municípios brasileiros. A Constituição Federal define que as cidades são obrigadas a destinar uma parcela mínima dos recursos públicos à áreas como saúde e educação, dentre outros. A aplicação e o montante desses recursos, no entanto, variam significativamente entre os municípios, especialmente nas capitais dos Estados da Amazônia Legal.
Um levantamento realizado pela Frente Nacional de Prefeitos e Prefeitas (FNP) sobre as despesas municipais com saúde e educação apontou disparidades regionais entre os nove Estados que compõem a região: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão (parcial), Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.
Em saúde, foram considerados os gastos em Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS), que incluem pagamentos de salários, desenvolvimento científico e tecnológico, produção, aquisição e distribuição de insumos dos serviços de saúde. Já na área da educação foram considerados os gastos com Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE), onde estão inclusos o pagamento de profissionais, capacitação, construção e reforma de prédios escolares, dentre outros.
Capitais da Amazônia que mais gastam para as que menos gastam com saúde por habitante
Em Cuiabá, capital do Estado do Mato Grosso, o gasto por habitante foi de R$ 824, enquanto a média estadual marcou R$ 984. Ao todo, a cidade possui uma população de 650.877 habitantes.

O município de Palmas, em Tocantins, possui um gasto por habitante maior que a média estadual, no valor de R$ 724 para cada um dos 302.692 moradores da capital tocantinense, enquanto o Estado desembolsa R$ 649.

São Luís, capital do Maranhão, tem um gasto por habitante de R$ 679, valor acima da média de gasto do Estado, que é de R$ 415. Ao todo, a cidade possui 302.692 habitantes.

Já Porto Velho, capital de Rondônia, é a quarta capital dos Estados que compõem a Amazônia Legal que mais gasta com saúde por habitante, o total de R$ 677 por cada 460.434 habitantes. O gasto estadual é de R$ 709. A cidade tem uma população de 460.434 habitantes.

Em Boa Vista, Roraima, R$ 590 é o gasto em saúde, valor maior que a média de gasto do Estado, que é de R$ 495. No total, são 413.486 pessoas vivendo na capital roraimense.

A capital do Amazonas, Manaus, teve um gasto de R$ 543 para cada 2.063.689 pessoas que vivem na cidade. Em proporções estaduais, o valor gasto foi de R$ 486.

A capital Rio Branco (AC), desembolsou para cada 364.756 habitantes um total de R$ 521. Valor maior que a quantia média gasta pelo Estado, que foi de R$ 395.

Belém, capital do Pará, teve um gasto de R$ 488 por habitante em 2023, com um total de 1.303.403 habitantes. Já a média no Estado é de R$ 428. A cidade tem 1.3 milhão de habitantes.

Em Macapá, capital do Amapá, o gasto por habitante foi de R$ 378, ante R$ 346 do valor médio estadual. Ao todo, a cidade possui 442.933 habitantes.

Influências no gasto público
A economista e professora Lenice Benevides esclareceu que existem algumas formas principais para analisar os fatores que provocam o aumento dos gastos públicos. Como aumento da receita, crescimento populacional e eventos extraordinários.
“Quando o município registra um crescimento em sua arrecadação, pode optar por investir além do limite mínimo obrigatório nas áreas de saúde e educação. O fator crescimento populacional também acaba exigindo maior volume de gastos para atender às necessidades da população. Embora o limite constitucional para aplicação em saúde e educação seja de 15% e 25%, respectivamente, o aumento da população pode demandar recursos adicionais, o que depende também de um crescimento proporcional da receita municipal”, explica a especiaistas.
Benevides complementa: “Além disso, eventos extraordinários, como a pandemia de COVID-19, obrigaram os governos federal, estaduais e municipais a ampliar significativamente os investimentos em saúde para lidar com a emergência”, disse.
A economista disse, ainda, que apesar de haver limites mínimos estabelecidos, cada ente federativo tem autonomia para decidir se investirá além do necessário em determinadas áreas. Essa decisão depende das prioridades de cada programa de governo, como a construção de mais escolas, a contratação de profissionais de saúde ou o desenvolvimento de infraestrutura que atenda às necessidades da população.
Lenice Benevides comentou que, para implementar políticas públicas eficazes, é fundamental conhecer a fundo o município, seus indicadores e sua realidade. Isso é indispensável para atender de forma adequada as demandas por serviços de saúde e educação. No caso da saúde é evidente que os recursos mínimos exigidos por lei são insuficientes para atender a demanda dos municípios.
“Em Manaus, por exemplo, enfrentamos diversas carências. Faltam medicamentos nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), há áreas do município desassistidas por falta de unidades de atendimento, e muitas UBS carecem de equipamentos adequados para a realização de exames necessários. Essas deficiências ilustram como o financiamento atual da saúde está longe de ser suficiente”, comenta.
Capitais da Amazônia que mais gastam para as que menos gastam com educação por habitante
De acordo com um levantamento da FNP sobre os gastos com educação, Palmas, a capital de Tocantins, investiu R$ 1.046 por habitante, valor superior à média estadual. A cidade possui uma população de 302.692 habitantes.

Em Rio Branco, capital do Acre, o gasto foi de R$ 1.002 por habitante, o que representa um aumento de 27,94% em relação à média estadual, que ficou em R$ 722 por pessoa.

Já em Boa Vista, capital de Roraima, o investimento foi de R$ 884 por habitante, cerca de 10% acima da média estadual. A cidade, com uma população estimada de 413.486 habitantes, conforme dados usados para o levantamento.

Em Cuiabá, capital de Mato Grosso, o gasto por habitante com educação foi de R$ 813, um valor 25,22% inferior à média estadual, que ficou em R$ 1.118. A cidade conta com aproximadamente 650 mil habitantes.

Com uma população de 1.037.775 habitantes, São Luís, capital do Maranhão, apresentou um gasto por habitante de R$ 800. A cidade superou em 48,70% a média do Estado.

Em Manaus, no Amazonas, o gasto por habitante foi de R$ 697, superando a média estadual para a área de educação. A cidade, que tem pouco mais de 2 milhões de habitantes, se posiciona acima da média estadual.

Porto Velho, capital de Rondônia, investiu R$ 693 por habitante, um valor abaixo da média do Estado, que foi de R$ 839. A cidade tem uma população estimada em 460.432 pessoas.

Macapá, capital do Amapá, teve um gasto por habitante de R$ 622, superando a média estadual, que foi de R$ 574. A cidade conta com aproximadamente 443 mil habitantes.

Já em Belém, capital do Pará, o gasto por habitante foi de R$ 511, um valor 11,74% abaixo da média estadual, que foi de R$ 579. A população estimada da capital paraense é de 1.303.403 habitantes.

Cidades menores
Os municípios menores dependem fortemente dos fundos públicos, especialmente do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Os executivos municipais geralmente não possuem recursos orçamentários suficientes para atender as necessidades básicas, o que os torna altamente dependentes de transferências do governo federal. Os repasses dos recursos acabam sendo essenciais para cobrir despesas com saúde, educação e a manutenção do município.
Para Lenice Benevides, a dependência de verbas do governo federal é quase total em cidades com até 10 mil habitantes. Ela destacou que, no Amazonas, quase todas as cidades se enquadram nessa situação. A especialista também explicou como alguns municípios conseguem implementar políticas públicas eficazes, mas outros enfrentam grandes desafios para garantir à população o serviço essencial.
“Em locais com até 10 mil habitantes, essa dependência é quase total. No Estado do Amazonas, por exemplo, a maioria dos municípios se enquadra nessa situação. E quando falamos em eficiência, trata-se de utilizar os recursos de forma que resultem em melhorias reais nos indicadores de saúde e educação. No entanto, alcançar essa eficiência não é simples. Alguns municípios conseguem implementar processos eficazes e colher resultados positivos, mas muitos enfrentam grandes desafios na gestão pública, o que dificulta a obtenção de avanços significativos nesses indicadores”, comentou Benevides.
Para a economista, os impactos de atrasos ou insuficiências no investimento em saúde e educação são significativos e tendem a ampliar as disparidades econômicas e sociais entre os municípios. Em regiões com baixos níveis de investimento nessas áreas, é comum observar indicadores elevados de criminalidade e altas taxas de doenças.
“A falta de políticas públicas adequadas agrava ainda mais a situação. O governo muitas vezes precisa criar programas específicos para atender demandas de saúde, como iniciativas voltadas para diabéticos, mulheres, homens e crianças. No entanto, quando os recursos disponíveis não são suficientes para atender essas demandas, o impacto é especialmente grave em populações de baixa renda, como aquelas que vivem com até três salários mínimos, uma realidade comum no Amazonas”, frisou.
Lenice também destacou que em Manaus a situação é ainda mais preocupante por causa da alta concentração de populações carentes em áreas com infraestrutura insuficiente. “A distribuição de medicamentos, escolas, UBSs e hospitais de porte médio não atende de forma adequada à demanda crescente. Além do problema de financiamento insuficiente, há também falhas na eficiência dos recursos aplicados. Ou seja, os investimentos realizados muitas vezes não resultam em melhorias significativas nos indicadores de saúde e educação”, disse a economista.
A diferença entre municípios ricos e pobres também aumenta, dificultando que os municípios mais vulneráveis alcancem o nível de desenvolvimento daqueles com melhores condições financeiras. Lenice aponta que para reverter esse cenário é preciso aumentar o investimentos nas duas áreas: saúde e educação.
“Para reverter esse cenário, é essencial não apenas aumentar os recursos destinados à saúde e à educação, mas também melhorar a eficiência na gestão desses recursos, garantindo que os investimentos gerem retornos concretos, como melhores indicadores de saúde, educação e qualidade de vida”, concluiu.
Com informações Revista CENARIUM