
Muito antes da chegada dos colonizadores europeus, a região onde hoje está a cidade de Santarém, no oeste do Pará, já era um dos principais centros culturais e espirituais da Amazônia. É o que revela um estudo da arqueóloga Denise Cavalcante Gomes, do Museu Nacional da UFRJ, publicado no periódico Journal of Field Archaeology.
Segundo a pesquisa, escavações realizadas em dois grandes sítios arqueológicos — conhecidos como Aldeia (com 121 hectares) e Porto (com 89 hectares) — revelam que a área era ocupada por sociedades densamente povoadas e com alto grau de sofisticação cerimonial. Os assentamentos eram liderados por xamãs poderosos, cujos rituais serviam como ponte entre o mundo dos vivos, dos demais seres e dos espíritos. A estrutura era comparável a centros sagrados como Meca ou Jerusalém, em termos simbólicos.
Os dois sítios estavam separados por um lago sazonal de até 30 hectares — atualmente aterrado — e foram habitados por séculos antes da chegada dos portugueses. A cerâmica produzida ali, conhecida como tapajônica, é considerada uma das mais elaboradas da arqueologia amazônica, com peças ricamente decoradas, pinturas complexas e formas simbólicas, como os vasos de cariátides e os famosos muiraquitãs.
Esses amuletos de pedra verde, muitas vezes esculpidos na forma de sapos estilizados, eram tão valorizados que circulavam em redes de troca que chegavam até o Amapá e as ilhas do Caribe. A variedade de artefatos e a extensão dos sítios reforçam a hipótese de que Santarém pré-colonial era um centro urbano com influência regional.
A arqueóloga Denise Gomes propõe uma nova interpretação para essa complexidade social: em vez de uma centralização político-econômica nos moldes ocidentais, Santarém teria se desenvolvido a partir de práticas cerimoniais e da liderança espiritual dos xamãs, com forte conexão com o ambiente natural e simbólico da região.
A pesquisa se soma a outros trabalhos que buscam reconstruir a verdadeira história da Amazônia antes da colonização, revelando que ali já existiam civilizações organizadas, com arte refinada e redes de contato amplas muito antes do ano de 1500.