Na cidade de Manaus, a capital do Amazonas, a rotina retorna, envolta em densas fumaças, enquanto os rios secam em uma velocidade espantosa. Essa repetição de desafios é um déjà vu perturbador. No entanto, mais perturbador é o silêncio ensurdecedor que ecoa pela indiferença midiática, ignorando essas calamidades. Mas nós, que vivemos aqui, estamos vendo. Nesse cenário de visões parciais, quem está verdadeiramente enxergando e quem, conscientemente, finge não ver?
Nos salões europeus, discursos inflamados reverberam sobre nossas matas verdejantes, fauna vibrante, rios majestosos e as culturas ancestrais de nossas populações indígenas. Contudo, no meio desses debates fervorosos, por que as vozes arraigadas no coração da selva são silenciadas? Enquanto o futuro da floresta é traçado nas luxuosas antecâmaras da Faria Lima ou nos apartamentos do Leblon, nós, que respiramos essa fumaça, questionamos: onde está o nosso espaço nesse palco?
É perturbador perceber que as vozes da Amazônia não têm espaço para falar sobre a Amazônia. O microfone é passado para celebridades, magnatas, entusiastas, artistas, ONGs e influenciadores. No entanto, é negado aos indígenas, ribeirinhos e pescadores. Suprime-se a voz autêntica, entregando o discurso àqueles que são porta-vozes de um território que conhecem pouco além de cliques e visitas esporádicas.
Nossa angústia parece ter menos valor quando somos nós que estamos sufocando sob a fumaça. Se São Paulo estivesse sob essa cortina asfixiante ou o Tietê estivesse seco, os noticiários estariam repletos de protestos, com artistas e ONGs elevando seus clamores. Mas, quando é a Amazônia que queima e seca, quando é o homem da Amazônia que passa fome e sede, onde estão os renomados porta-vozes? Por que o silêncio prevalece quando a tragédia não se encaixa nas narrativas globais ou não é lucrativa para o mundo ESG?
É irônico e até doloroso perceber que, nas grandes assembleias da ONU, representantes da Suécia tomam o palco em defesa de nossa floresta. Assim, o grito abafado da Amazônia esquecida – aquela que enfrenta fome, detém índices desalentadores e sofre com infraestruturas frágeis – é substituído por versões romantizadas, proferidas por aqueles que jamais sentiram o ardor da fumaça em sua pele.
Enquanto estas palavras são registradas em um refúgio com ar condicionado e purificadores de ar, lá fora está a Amazônia real. Aquela dos pescadores que enfrentam a seca e das crianças obrigadas a respirar um ar tóxico. E ela continua sufocando.
Elon Musk nos oferece satélites de monitoramento. No entanto, sinceramente, não são novos satélites que a Amazônia clama. Desde o século passado, a floresta é monitorada de cima. As autoridades, com todos os seus recursos e informações, sabem muito bem de onde vem a fumaça. Não falta visão do alto, falta-nos olhos atentos no solo e braços para combater a ilegalidade. Precisamos de mais brigadistas, delegacias estrategicamente posicionadas e lanchas blindadas.
A verdadeira salvaguarda da Amazônia não se resume a um olhar distante do espaço, mas a uma presença concreta e atuante em sua vastidão. Chega de fingir que está tudo bem. Não está. Enquanto consentirmos com a condução de nosso futuro por mãos alheias, nossa biodiversidade continuará sendo transformada em ativos para estrangeiros, deixando-nos com o passivo e a destruição. Não podemos ser meros espectadores de nossa própria derrocada; a Amazônia clama, e é nossa responsabilidade responder.
Este artigo não é apenas um texto, é um grito de alerta, um apelo para que reconheçamos que, acima de tudo, a Amazônia tem gente. É hora de o mundo entender que a Amazônia tem rosto, tem voz e, sobretudo, tem vida.