Sabores da Amazônia vão temperar diplomacia na COP30, em Belém
Chef paraense Saulo Jennings lidera organização da gastronomia da COP30 em Belém e promete encantar chefes de Estado com pratos típicos da Amazônia. Ingredientes regionais e sustentabilidade são os pilares do evento.
Como todos sabemos, Belém será, em novembro, a capital mundial do debate climático. Mas, além dos painéis e negociações da COP30, um outro tipo de diplomacia vai ganhar destaque: a que se faz pela mesa. À frente dessa missão está o chef paraense Saulo Jennings, nomeado em 2023 como o primeiro Embaixador Gastronômico da ONU Turismo. Ele foi escolhido para liderar parte da programação gastronômica da conferência e quer usar a força da culinária amazônica para encantar chefes de Estado de todo o mundo.
Pirarucu, tacacá, jambu, tucupi, cacau, bacuri e castanha-do-pará estarão entre os ingredientes que devem compor os pratos servidos a autoridades como Vladimir Putin (Rússia), Xi Jinping (China) e, possivelmente, Donald Trump (EUA). Para Jennings, a comida será uma aliada estratégica do Brasil na recepção das delegações internacionais. “Existem duas formas de conquistar o mundo: pelo relacionamento ou pela barriga. O presidente entrega o cartão de visita e eu entrego a comida. Vai ser casadinha!”, brinca.
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Embora o calendário oficial da COP30 ainda não tenha sido fechado, Jennings já se prepara há dois anos para o evento. O chef revela que realizou pesquisas detalhadas sobre os hábitos alimentares e as culturas gastronômicas dos países participantes, com o objetivo de oferecer uma experiência marcante e respeitosa às delegações.
Entre os pedidos que recebeu diretamente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dois são prioridade: manter a agenda bloqueada entre os dias 10 e 21 de novembro, e deixar seu barco-restaurante, atracado em Santarém e com capacidade para cerca de 20 pessoas, à disposição do governo federal. O espaço pode ser usado pelo presidente para reuniões bilaterais com representantes de outros países, em um ambiente intimista à beira do rio.
“Já sei que vou fazer um peixe filhote inteiro na brasa, de cerca de 50 quilos. Já servi esse prato ao presidente Lula, e ele gostou bastante. É um peixe que representa bem a nossa região”, antecipa.
Da Amazônia para o mundo
Esta não é a primeira vez que o chef paraense assume a responsabilidade de servir os “homens mais poderosos do mundo”. Jennings também assinou o jantar de abertura da COP28, realizada em Dubai, nos Emirados Árabes. Na ocasião, ele apresentou um menu com fortes raízes amazônicas: tacacá, pirarucu assado com farofa de legumes e frutas, húmus de feijão Santarém e sobremesa de creme de cupuaçu com farofa de castanha-do-pará e nibs de cacau.
Para a COP30, ele quer ir além da representatividade regional e mostrar que a Amazônia tem uma culinária rica, sustentável e cheia de identidade. “A gastronomia é uma ferramenta de valorização da bioeconomia. Ela mostra que é possível extrair riqueza da floresta em pé, respeitando os ciclos da natureza e promovendo desenvolvimento”, explica.
Por isso, uma das diretrizes do cardápio será o respeito à biodiversidade. Espécies em risco de extinção estão fora do cardápio, e os ingredientes serão obtidos de forma sustentável, respeitando os povos da floresta e seus modos de vida.
Reforço de peso na cozinha
Jennings também quer que a diversidade da cozinha brasileira tenha protagonismo durante a COP. Para isso, convidou chefs renomados de São Paulo para integrar o projeto: Bel Coelho, responsável pelos restaurantes Cuia e Clandestina, e Jefferson Rueda, do prestigiado A Casa do Porco. Ambos devem assinar seus próprios jantares oficiais para delegações específicas, além de colaborar em criações conjuntas com o chef paraense.
Bel Coelho revelou que ainda está desenvolvendo seu cardápio, mas adiantou que a inspiração virá do seu projeto “Menu Biomas”, que explorou durante dez anos no restaurante Clandestina. Entre os ingredientes que devem aparecer estão o cumaru, o bacuri, a farinha de mandioca, o jambu, o filhote, o tucupi e a castanha-do-pará.
“Penso em criar um prato com filhote no caldo de tucupi e purê de banana-da-terra. Talvez uma salada de feijão, outro alimento muito presente na mesa paraense. Para sobremesa, imagino algo como espuma de chocolate com farofa de castanha e bacuri”, planeja Bel, que vai aproveitar a COP30 para lançar um livro e um documentário sobre sua pesquisa dos ingredientes dos biomas brasileiros.
Sustentabilidade no prato
A proposta é que cada prato servido reflita os pilares da conferência: preservação ambiental, justiça climática e respeito à biodiversidade. Jennings destaca que o desafio vai além de agradar paladares exigentes. É uma oportunidade de mostrar ao mundo que a floresta amazônica não é só um tema de debate ambiental, mas um celeiro de conhecimento, sabores e soluções sustentáveis.
“O Brasil precisa ter políticas públicas voltadas à gastronomia como parte da bioeconomia. A comida tem poder de transformação, de inclusão, de fortalecimento de identidades e de geração de renda. E esse é um momento único para mostrar isso ao mundo”, afirma.
Além dos eventos oficiais, o chef também está montando uma casa-cozinha em Belém para receber delegações em jantares privados. Já há negociações com representações da Suíça, Dinamarca e União Europeia. No cardápio, pratos com ingredientes nativos e apresentações que contam a história dos alimentos, desde a origem até o prato.
Cultura e turismo juntos
Para garantir uma experiência completa, Jennings também investe em inovações nos próprios restaurantes. Está promovendo o treinamento em inglês dos funcionários, desenvolvendo louças personalizadas com artesãos locais e implementando vídeos educativos que mostram a cadeia produtiva dos alimentos utilizados nas receitas.
Outro nome de destaque da culinária paraense, o chef Thiago Castanho, também será peça importante durante a COP30. Procurado por embaixadas e empresas interessadas em reservar seu restaurante, o Puba, para eventos privados, Castanho aposta em pratos que unem tradição e inovação, como seu atum cru com tucupi, chuchu, castanha-do-pará e molho nampla — uma criação que mistura a Amazônia com influências da culinária asiática.
“A COP é uma oportunidade de quebrar estereótipos sobre a Amazônia. Muita gente ainda não entende como a floresta funciona, quem vive aqui e como se produz comida de qualidade nesse território. O que o povo amazônida quer é ser ouvido e valorizado”, defende Castanho.
Com protagonismo para os ingredientes da floresta e valorização da cultura amazônica, a gastronomia promete ser um dos pontos altos da COP30 — mostrando que, na Amazônia, o sabor também é resistência e solução.



