No coração de Belém, entre os ecos históricos do Teatro da Paz e os aromas de tucupi e jambu que anunciam a chegada do Círio, Fafá de Belém está costurando uma nova narrativa para a Amazônia. Mais do que uma artista consagrada, ela se tornou articuladora de ideias e vozes que o Brasil e o mundo ainda insistem em não ouvir.
O nascimento do Fórum Varanda da Amazônia
Tudo começou há três anos, quando Fafá, em uma reunião do Pacto Global em Nova York, percebeu uma ausência gritante: nenhum pensador amazônico, nenhum artista, nenhum professor ou pesquisador local estava entre os convidados. “Só tinham três meninas fantasiadas de indígenas, como se a gente só prestasse para alegoria de festa”, recorda.
Dessa indignação nasceu o Fórum Varanda da Amazônia, criado em parceria com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e realizado junto ao tradicional festival Varanda de Nazaré, que há 15 anos movimenta a capital paraense no período do Círio. A ideia era simples e revolucionária: reunir quem vive e pensa a Amazônia com pesquisadores, gestores e interessados do restante do país.
Pluralidade como DNA
De um gesto emergencial, o Fórum se transformou no maior espaço de debate amazônico do Brasil, reunindo coletivos de mulheres, quilombolas, ribeirinhos, povos indígenas e movimentos LGBTQIA+ para discutir o futuro da região em pé de igualdade com especialistas e autoridades.
A edição de 2025 já tem mais de mil inscritos e acontece em 7 e 8 de outubro, na Universidade Federal do Pará, com o tema “O Futuro da Amazônia é Agora!”. Um dos painéis mais aguardados será sobre a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, reunindo defensores e opositores em um debate mediado, com dados, estudos e posições bem fundamentadas. “Não é fórum chapa-branca, pode quebrar o pau, que é o que eu mais gosto”, provoca Fafá.
COP30: oportunidade histórica
Com a COP30 confirmada para Belém, Fafá vê a chance de uma virada histórica. “Nosso apagamento começou quando aderimos à República. Viraram as costas para nós. O Sudeste virou as costas para nós”, critica. Para ela, a conferência não deve ser apenas sobre clima, mas sobre reconhecimento do cidadão amazônico, ouvindo do homem simples, que não pode mais tomar banho no rio porque foi poluído, aos grandes pesquisadores.
A presença da COP em uma cidade amazônica é simbólica: “A COP está dentro da cidade, que tem uma entrada só. Isso muda tudo”, reforça.
Cultura como ponte para a transformação
Aos 69 anos e com 50 de carreira, Fafá continua usando a música como instrumento de mobilização. A Varanda de Nazaré, que deu origem ao Fórum, é hoje um espaço majoritariamente paraense: 95% dos artistas são locais, contra 90% de forasteiros nos primeiros anos. Essa escolha, explica Fafá, é estratégica: “Cada espetáculo que faço durante a COP vai levar essas pessoas, porque a cultura é quem conta a nossa história de verdade.”
Sua preocupação vai além dos palcos. Ela defende a preservação de saberes tradicionais, como o artesanato tapajônico, ameaçado pela invasão de produtos industrializados. Para ela, apoiar esses talentos é garantir que a Amazônia não se reduza a floresta ou fantasia.
Uma sinfonia amazônica para o mundo ouvir
Para Fafá, quem destrói a Amazônia não é o amazônico. “Quem toca fogo não é o caboclo. Quem desmata não é o caboclo.” Por isso, sua luta é para que a COP30 deixe um legado que vá além dos discursos: dar estrutura para os amazônidas serem protagonistas do próprio destino.
“Deixem de falar das comunidades amazônicas como se fossem só indígenas. Somos quilombolas, ribeirinhos, homens e mulheres da floresta, das periferias e das cidades. Nós somos tudo isso”, resume.
No fundo, Fafá aposta na força da diversidade e da cultura para costurar soluções reais. E acredita que essa transformação começa com algo simples: ouvir quem está lá. “Há possibilidade de salvação da Amazônia e do planeta se olharmos para quem sofre diretamente com isso. Mas tem que ouvir a gente.”



