Sobre internet, tretas e castanhas
Por Eduardo Cunha. Dedicado ao amigo Carlos Mendes
Uma vez, um filósofo francês soltou a frase: “Treto, logo existo”. Bom, vá lá, pode não ter sido exatamente assim a frase, mas, com a chegada da internet, dos smartphones e das incontáveis horas que perdemos nas redes sociais, dita dessa forma, faz mais sentido.
A verdade é que ninguém, absolutamente ninguém, navega na web apenas para fazer pesquisas, ler notícias ou aprender algo novo. Navega-se, sobretudo, para stalkear a ex, assistir ao vídeo do gato vestido de Papai Noel no TikTok e, é claro, tretar.
Se Umberto Eco estiver certo quando afirmou categoricamente que “a internet deu voz a uma legião de imbecis”, então somos todos imbecis, cada um à sua maneira, com seu estilo e intensidade. Mas o que esperar de alguém que se comunicava por palavras, e não por emojis?
Internet, redes sociais e treta estão tão umbilicalmente interligadas, para nós paraenses, quanto o açaí está para o charque ou o camarão. O ambiente virtual, entre outras coisas, se tornou bastante semelhante à uma arena romana: existem os que se digladiam e os que torcem e assistem.
Querem um exemplo? Sejamos francos: como espectadores, quem pode negar que sentiu um certo prazer mórbido ao ver o esnobe “Mago das Unhas” voltar para a prisão, depois de dar um cavalo de pau em um carro de luxo no Atalaia? E quem pode dizer que não foi espiar o perfil da mulher que se pendurou no carro do marido ao descobrir uma traição? Pois é, isso é o puro suco da internet.
E quanto aos gladiadores modernos? O que dizer, por exemplo, das refregas épicas entre as divas da música paraense, batalhas tão acirradas que pareceriam saídas das páginas de Homero, tudo para provar quem realmente colocou o Pará na moda? Foi tiro, porrada e bomba. A coisa chegou a tal ponto que a ALEPA precisou conceder um título de cidadã paraense a uma das rixentas, talvez como uma tentativa de encerrar o embate.
A internet, em essência, é isso: quem briga, quem comenta e quem assiste.
E, nos últimos dias, uma verdadeira guerra foi travada por internautas, celebridades, emissoras de TV e até páginas oficiais de órgãos públicos. O motivo? Descobrir se a bertholletia excelsa se chama Castanha-do-Pará, Castanha-da-Amazônia ou Castanha-do-Brasil.
O conflito chegou a tal ponto que internautas recuperaram até uma cena da série americana “Dr. House” para provar que a castanha é, definitivamente, do Pará.
Para quem chegou atrasado, como a moça do avião que quis colocar o filho na janela, resumimos a treta parodiando Carlos Drummond de Andrade: “O ator manauara Adanilo Costa levou uma pisa da apresentadora do programa É de Casa. Daí, Alane tretou com ele, que tretou no Twitter com a afiliada da Globo no Amazonas e, por fim, tretou com a página do Governo do Pará”.
Bem, não quero parecer indiferente, fora do meu tempo, asceta ou mesmo fleumático. Como bom ariano, sou muitas vezes rude e, quase sempre, falo antes de pensar. É natural, já me acostumei com essa condição.
Todavia, isso não significa que eu não veja uma grande tolice nesse debate sem propósito. Afinal, qual a real diferença que faz o nome que damos? Se é Pará, Amazônia ou Brasil, o essencial é que nossa biodiversidade não seja saqueada, como aconteceu quando empresas estrangeiras tentaram patentear nosso cupuaçu e nosso açaí.
De mais a mais, se formos pesquisar um pouquinho, veremos que a semente recebeu esse nome não porque seja exclusiva do Pará, mas porque, nos tempos em que se amarrava cachorro com linguiça, praticamente toda a Amazônia era chamada Província do Grão-Pará.
E, para encerrar com leveza, lembro da famosa frase de William Shakespeare: “O que há em um nome? Uma rosa, com qualquer outro nome, teria o mesmo perfume.”
Mas, convenhamos, que é do Pará… ah, isso é.