
Um dos imóveis mais emblemáticos da Boulevard da Gastronomia, no Centro Histórico de Belém, segue em completo estado de abandono, mesmo diante de seu imenso potencial turístico, histórico e arquitetônico. Trata-se do antigo prédio da Folha do Norte, hoje pertencente ao grupo O Liberal, que ergue-se com imponência e nostalgia às margens da movimentada região turística da capital paraense. Com fachada art déco e localização estratégica voltada para a Baía do Guajará, o edifício carrega não apenas valor estético, mas também simbólico para a cidade e sua história de imprensa.
Construído no início da década de 1930 para abrigar a redação do então maior jornal da região Norte, a Folha do Norte, o prédio foi testemunha de momentos cruciais da política e da cultura paraense. Ironicamente, décadas depois, viria a pertencer ao seu antigo rival editorial, o jornal O Liberal, que assumiu o controle do imóvel mas hoje o mantém inativo, deteriorado e esquecido. O prédio, que poderia ser um ponto de referência da requalificação urbana, tornou-se um símbolo de negligência.
A Boulevard da Gastronomia, que abriga restaurantes, cafés e pontos turísticos renovados nos últimos anos, como o Complexo Feliz Lusitânia, sofre com a presença de um edifício tão representativo e ao mesmo tempo degradado. Em plena preparação para a COP 30, evento climático internacional que Belém sediará em 2025, cresce a demanda por requalificação de espaços urbanos, especialmente aqueles com potencial para receber visitantes, hospedar turistas ou funcionar como centros culturais.
O próprio grupo O Liberal já chegou a anunciar a intenção de transformar o prédio em um “Museu do Clima”, aproveitando a vista privilegiada para a Baía do Guajará e a proximidade com o Ver-o-Peso. No entanto, até o momento, o projeto não saiu do papel. Com a escassez de hospedagem de qualidade na cidade, muitos moradores e especialistas apontam que o prédio poderia ser convertido em um hotel de charme, com restaurante, café literário e estúdios de comunicação — ideias que valorizariam a memória da cidade e o turismo histórico.
“O prédio tem uma aura única. Ele poderia ser um hotel boutique com restaurante no térreo, espaços culturais e até mesmo um estúdio de TV no último andar com vista panorâmica. Seria um cartão-postal moderno e histórico ao mesmo tempo”, comentou um internauta. Ideias assim não são utópicas: cidades como São Paulo e Salvador já reaproveitam prédios históricos com propostas similares, unindo turismo, memória e funcionalidade.
Além do aspecto arquitetônico e turístico, o prédio também carrega um sarcasmo histórico. Durante os tempos de forte polarização política no Pará, Paulo Maranhão, então dono e editor da Folha do Norte, se refugiou no edifício para escapar da perseguição de baratistas — partidários de Antônio Lemos e do jornal O Liberal, que à época fazia oposição ferrenha à Folha. Hoje, ironicamente, o prédio está sob domínio do grupo O Liberal, símbolo dessa antiga rivalidade.
Para os mais nostálgicos, o prédio também evoca a era dourada da imprensa impressa e das bancas de revistas espalhadas pelas cidades. Um café temático, resgatando a importância da leitura, da informação e da convivência urbana, poderia reviver essa memória coletiva. A requalificação do espaço, portanto, não seria apenas estética ou econômica, mas também afetiva.
A ausência de ação por parte dos atuais proprietários e do poder público causa frustração em quem acredita na preservação da memória como motor do desenvolvimento urbano sustentável. Belém, que se prepara para estar no centro das atenções mundiais durante a COP 30, não pode permitir que um dos seus prédios mais históricos continue à margem do seu próprio tempo.