
O governo brasileiro sofreu uma grande derrota após a assinatura de dois decretos revisando as regras do Marco Regulatório do Saneamento Básico pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As mudanças foram mal recebidas por especialistas e congressistas, que começaram a trabalhar em projetos de lei para derrubar os atos administrativos. O líder da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, deixou claro que não apoiará retrocessos no Marco Legal do Saneamento e defendeu que o Congresso analise com cuidado as sugestões.
Os pontos mais questionáveis dos decretos são a possibilidade de empresas estaduais prestarem o serviço em áreas metropolitanas, aglomerados urbanos e microrregiões sem necessidade de licitação, e a permissão para a regularização de contratos precários. Essas mudanças flexibilizam os critérios estabelecidos pelo marco regulatório de 2020, que tinha como objetivo a universalização do acesso à água potável e ao tratamento de esgoto até 2033.
Os congressistas e especialistas do setor acreditam que as mudanças vão contra o que foi estabelecido no marco regulatório anterior e que o Congresso deveria ter sido consultado antes da assinatura dos decretos. A insatisfação é grande e as reações indicam que o governo sofrerá uma derrota acachapante no Congresso. Resta saber como o governo irá lidar com essa situação e se haverá mudanças no texto dos decretos para tentar conquistar o apoio dos congressistas.
Editorial
Tido como aliado da candidatura do então candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o jornal O Globo, veículo do maior grupo de comunicação do país, o Grupo Globo, publicou um editorial que parece encerrar a lua de mel da empresa com o governo. Confira:
Lula promove retrocesso que pune os pobres
Atos sobre saneamento e privatização provam que ele prefere agradar a políticos e corporações das estatais
Até outubro, a nova legislação do saneamento propiciou, além da venda da Cedae no Rio de Janeiro, licitações em Alagoas, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Amapá, Ceará e Goiás. Os investimentos garantidos pelas concessionárias somam R$ 72,2 bilhões. A intervenção do governo Lula instala insegurança jurídica — já há processo no STF contra a contratação sem licitação da estatal paraibana por 30 municípios — e retardará a modernização do setor.
O objetivo da mudança é proteger estatais, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste, onde prefeitos de cerca de 800 municípios querem continuar a renovar contrato com as companhias estaduais de saneamento sem licitação nem metas a cumprir. Lula ainda atribuiu ao Ministério das Cidades autoridade para regular o saneamento básico, esvaziando a Agência Nacional de Águas (ANA). O que era feito com base em critérios técnicos passará a ser ditado por interesses políticos.
O resultado disso tudo é evidente: atrasará a meta de, até 2033, abastecer 99% das casas com água potável e coletar 90% do esgoto (já três anos atrasada em relação aos objetivos estabelecidos pela ONU). Hoje falta água a 35 milhões de brasileiros e coleta de esgoto a 100 milhões, e não há marca mais evidente da miséria que Lula diz querer combater do que as condições insalubres em que vive essa parcela da população.
A outra investida de Lula para agradar a grupos de interesse em seu governo foi a retirada de sete estatais do programa de privatizações. Entre elas, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), cujo modelo de venda estava pronto, elaborado com base num estudo comparativo do BNDES com as economias mais avançadas. A privatização e a nova regulação aumentariam a arrecadação em R$ 4,4 bilhões anuais, além de atrair bilhões em investimentos a um setor de desempenho sofrível, como sabe qualquer morador do Rio, onde cartas não chegam nem mesmo uma vez por semana a bairros de classe alta. Que dizer das áreas mais pobres, que Lula afirma defender?
Além dos Correios, Lula desistiu de privatizar Dataprev e Serpro (duas empresas de processamento de dados cujos serviços poderiam ser contratados de terceiros sem perda nenhuma), a EBC (mero braço de propaganda do governo cujo orçamento beira R$ 750 milhões), o Ceitec (fabricante de semicondutores ultrapassados, que trouxe quase R$ 1 bilhão de prejuízo sem conquistar nenhuma relevância para o Brasil nesse mercado) e duas outras estatais. Todas essas privatizações trariam mais recursos a um Estado falido, a que faltam recursos para prover serviços básicos aos mais pobres.
Lula pode até acreditar que o Brasil tem dinheiro sobrando para atender a todos. Mas os decretos sobre saneamento e venda das estatais provam que sua prioridade é garantir espaço para seus aliados e agradar às corporações sindicais que seriam afetadas pelas privatizações.