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Paraense Daniel Munduruku pode ser integrante da Academia Brasileira de letras

Os dias andam agitados lá pelos lados da Academia Brasileira de Letras (ABL). Nas últimas semanas, dois novos “imortais” chegaram à instituição provocando barulho sobretudo nas redes: Fernanda Montenegro e Gilberto Gil. E

No próximo dia 18, mais um intelectual será anunciado como novo membro da entidade. Há quem diga que já é certo: o neurocirurgião Paulo Niemeyer Filho, próximo a diversos acadêmicos cariocas, ficará com a cadeira de número 12. Importantes nomes do meio literário e editorial, no entanto, fizeram um abaixo-assinado e levantaram uma campanha para que outro concorrente fique com a vaga: Daniel Munduruku.

Escritor de origem indígena, Munduruku está com 57 anos e é um dos nomes mais importantes de nossa atual literatura infantojuvenil. Sua presença entre os finalistas do Jabuti confirmam o excelente momento do autor. Na reta final do prêmio, ele segue no páreo com três livros: “Crônicas Indígenas para Rir e Refletir na Escola” (Moderna), que concorre entre os juvenis, “A Origem dos Filhos do Estrondo do Trovão” (Callis, escrito em parceria com Rosinha”) e “Redondeza” (Criadeira Livros, feito com Roberta Asse), ambos na categoria infantil.

Conversei por e-mail com Daniel sobre sua candidatura à Academia e as movimentações para as eleições. Segundo o escritor, “a ABL é uma instituição que tem credibilidade junto à sociedade brasileira. Tem que ser, também, o retrato dessa mesma sociedade. Ela conseguirá ser um bom espelho na medida em que for capaz de se abrir para acolher a diferença”.

Por que o desejo de se tornar membro da ABL? Qual é o efeito prático e simbólico da sua eventual eleição?

Minha candidatura se inscreve num desejo de poder contribuir com a visibilidade da presença indígena em nosso país. Nossas vozes sempre foram silenciadas, mas agora que dominamos a escrita queremos mostrar que sempre estivemos presentes na construção da identidade nacional, ainda que a maioria da população nunca tenha se dado conta disso.

Por outro lado, é nossa forma de mostrar que a casa de Machado de Assis foi criada para abrigar a diversidade que é própria da constituição de nossa nacionalidade. Minha presença na casa dará mais verdade para essa missão institucional.

Sabemos que não basta uma obra sólida para ingressar na ABL. O périplo para se tornar um “imortal” envolve convescotes, conversas privadas com os demais integrantes, apadrinhamentos… Como foi a sua campanha para tentar se tornar um membro da Academia?

Obedeci aos rituais que são necessários. Entrei em contato com todos os imortais através de e-mails e enviando meus livros para seus endereços. O contato pessoal, no entanto, não foi possível por conta da pandemia e obedecendo aos pedidos dos próprios votantes. Dessa forma, não pude me encontrar pessoalmente, mas não deixei de estabelecer contatos e fui muito bem recebido por uma boa parte da Academia.

Ao longo dessa caminhada, quais impressões sobre a instituição se confirmaram e quais se modificaram?

Eu venho de uma tradição que respeita os rituais e procura praticá-los em seu dia a dia. Por isso não tenho nenhuma dificuldade em entender os processos institucionais. A Academia é uma instituição que se guia por códigos de conduta e eu preciso conhecê-los para poder pleitear um possível ingresso nela. Dessa maneira, cumpri minha tarefa de tentar não julgar o que nela acontece por entender que, antes de tudo, preciso fazer parte dela para sugerir o que considero que possa ser interessante para sua valorização.

Você concorre à cadeira 12. O neurocirurgião Paulo Niemeyer Filho, muito próximo de diversos “imortais” cariocas, é tido como o favorito para ficar com a vaga. Segundo a revista piauí, outros aspirantes ao posto, como o escritor Gabriel Chalita, abriram mão de tentar essa cadeira neste momento, entendendo que a decisão a favor do médico já estava tomada ou muito bem encaminhada. Como tem sido essa disputa com o Paulo?

Não conheço o dr. Paulo. Quero acreditar que sua obra humana é bastante relevante para torná-lo membro da ABL. Independente do contato que ele possa ter estabelecido com os demais membros da academia, creio que é mais relevante seu trabalho humano no sentido de fazer nossa sociedade brasileira se torne melhor. Para além disso, é pura especulação. Acredito nas pessoas e nas suas melhores intenções. É assim que vejo meus futuros colegas da ABL. Não creio que a disputa seja com relação a possíveis favorecimentos. Até porque vivemos numa sociedade que tem pregado muito a meritocracia como base de sua organização.

A ABL é historicamente dominada por homens brancos já com certa idade. Como você encara esse fato?

Os imortais não nascem velhos, mas vão se tornando velhos. A juventude dessas pessoas foi produtiva e significativa. Vindo de uma tradição que considera esse momento da vida muito importante, creio que tenho muito o que aprender com cada um deles e delas. Como são pessoas vividas, saberão utilizar a energia que ainda trago comigo para fazer com que sua sabedoria ganhe maior alcance. Serei para eles um discípulo e eles serão meus mestres. Assim sendo, aprenderemos e cresceremos juntos.

Hoje, qual é a importância da ABL para o cenário cultural e também político do país?

A ABL é uma instituição que tem credibilidade junto à sociedade brasileira. Tem que ser, também, o retrato dessa mesma sociedade. Ela conseguirá ser um bom espelho na medida em que for capaz de se abrir para acolher a diferença. Se o fizer, creio, a sociedade brasileira vai perceber que terá, nela, uma instituição realmente capaz de contribuir para que o debate político e da valorização da cultura nacional.

Mais do que o ingresso de autores de origem indígena, seria também o momento da ABL começar a se preocupar em ter um olhar mais atento para as centenas de outras línguas faladas no Brasil além do português?

A ABL já valoriza a diversidade linguística, embora entenda que seu principal papel é salvaguardar o bom uso da língua falada pelos brasileiros. Ainda assim, penso que é preciso aproveitar o momento em que a ONU proclamou a década das línguas indígenas recentemente. Creio que minha presença na ABL poderia ser um bom alento neste sentido fazendo com que a academia possa abraçar novos desafios.

O que achou das recentes nomeações de Fernanda Montenegro e Gilberto Gil para a Academia?

São duas personalidades de peso da área da cultura. Trarão novos ares artísticos para a casa e certamente abraçarão esta causa como ninguém. Fiquei muito feliz com o ingresso de ambos e creio que irão contribuir e muito para a valorização da cultura brasileira. A ABL só tem a ganhar com presenças tão qualificadas.

Com informações UOL

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