Coluna

O caso do arcebispo de Belém e a síndrome da mulher de Potifar

Por Eduardo Cunha

Bastou uma reportagem exibida no programa Fantástico, da Rede Globo, no último domingo, 3, em que quatro ex-seminaristas acusam o arcebispo de Belém, Dom Alberto Taveira, de abusos sexuais, para que toda a imprensa e a opinião pública, em sua grande maioria, se voltassem contra ele.

Embora exista a expressa presunção de inocência na Constituição Federal, inclusive atualmente mais rigorosa, uma vez que não permite sequer a prisão em primeira instância, esta regra parece não funcionar para esse tipo de crime.

“Se está sendo acusado: logo é culpado, pois as vítimas de violência não mentem”. Esta parece ser a premissa que habita a mente das pessoas e ai de você que ouse questionar! Logo serás acusado do mesmo crime, ou pior: o crime de defender estupradores, maníacos, tarados e pedófilos.

A realidade, todavia, é bem outra. Os crimes sexuais, assim como são escondidos por medo ou vergonha, também são os maiores índices de denunciação caluniosa, daí ser bastante conhecida dos penalistas a chamada “Síndrome da Mulher de Potifar”, quando a pessoa simula ser abusada para prejudicar o suposto abusador.

A “Síndrome da Mulher de Potifar” faz referência à narrativa bíblica na qual Potifar, um capitão egípcio da guarda do palácio real, prende José, filho de Jacó, com base somente nas palavras da sua esposa, que após frustradas tentativas de se relacionar sexualmente com José, decide acusá-lo de tentativa de estupro.

Ainda há poucos meses, uma publicação do site Intercept Brasil levou o país à comoção exibindo um vídeo no qual uma suposta vítima de estupro era humilhada por um advogado, mesmo que fora de contexto. Em outro, o jogador Neymar Jr. provou que a vítima, na verdade, era ele, e que sua acusadora, a modelo Najila, forjara toda a situação para lhe extorquir.

O certo é que os crimes que envolvem a liberdade sexual, na prática dos tribunais, são terríveis porque, além de expor a intimidade das vítimas, tratam de dois bens jurídicos importantíssimos que são jogados na balança. Se é claro que o direito deve salvaguardar a honra, liberdade sexual e incolumidade das pessoas, não é menos certo que deve fazer isso respeitando o due process of law, ou seja, as regras do jogo.

Se alguém denuncia outra pessoa por abuso, os fatos narrados devem ser checados e averiguados, rigorosamente, aliás, assim como qualquer outro crime e isso parece chocar determinadas pessoas que associam essa ação a tal “cultura do estupro”.

Há uma supervaloração da palavra da vítima, enquanto prova, talvez por conta de sua vulnerabilidade.

Não posso deixar de lembrar o caso da Escola Base, em São Paulo, ocorrido lá pelos anos 90, em que um casal, inocente, foi acusado de abusar de alunos do ensino infantil.

Por conta de um delegado vaidoso e sem escrúpulos e da mídia sensacionalista, que só cresce em cima de especulações irresponsáveis, mesmo com a confissão das crianças de que mentiram e provada a inocência dos donos da escola, nunca mais eles puderam reabri-la. Às vezes, a sentença da mídia e da opinião pública é muito mais severa que a judicial e tem consequências nefastas e irreparáveis.

Aqui vai um conselho ao jornalismo punitivista midiático em busca de “lacração”: nestes casos, prudência e canja de galinha não fazem mal a ninguém

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