Chile rejeita nova Constituição por ampla margem, em derrota da esquerda
O Chile rejeitou a proposta de nova Constituição que foi a votação neste domingo (4) com uma ampla margem. A rejeição à Carta venceu por 61,87% a 38,13%, uma margem já considerada irreversível por especialistas. O presidente Gabriel Boric convocou uma reunião com todos os partidos nesta segunda-feira (5), às 16h (17h em Brasília).
Boric se manifestou pouco depois e disse que “a democracia sai mais robusta”. Segundo ele, “é preciso escutar a voz do povo, devemos ser autocríticos”. “Comprometo-me a pôr tudo de minha parte para construir em conjunto com o Congresso e a sociedade civil um novo itinerário constituinte. Não podemos deixar passar o tempo nem nos enredarmos em polêmicas.”
Assim que os resultados começaram a mostrar a derrota do Aprovo, ouvia-se buzinaços e gritos de “Viva, Chile” nos arredores da Praça Dignidad, epicentro dos protestos e festejos no Chile. Carros passavam agitando bandeiras. No comitê de campanha do Rejeito, havia muitos jovens festejando no começo da noite.
As comemorações do resultado se ouviam em vários pontos da capital, principalmente no norte da cidade, onde estão os bairros mais endinheirados. Nas esquinas dos bairros de Vitacura e Las Condes, havia gente festejando com bandeiras do Chile e fogos de artifício
A jornada foi marcada por grandes filas —uma vez que, neste referendo, o voto era obrigatório— e pelo calor intenso. Não houve episódios de violência nem irregularidades, segundo as autoridades eleitorais.
A rejeição é uma dura derrota do governo do esquerdista Boric, pouco antes de completar seis meses de mandato. Apesar de não ter apoiado abertamente a aprovação, a gestão se debilita pelo fato de a nova Constituição ter sido um dos motores de sua coalizão política e parte essencial de sua campanha à Presidência.
Boric surgiu no cenário chileno no contexto dos protestos estudantis de 2011, que pediam reformas no sistema educacional. Em 2019, novas manifestações ampliaram essas reivindicações para incluir o acesso a pensões, saúde e moradia de qualidade. O atual presidente foi um dos articuladores do acordo que acalmou as ruas e pressionou o então governo do presidente direitista Sebastián Piñera a dar início ao processo constitucional.
Em outubro de 2020, 80% dos chilenos decidiram num plebiscito aposentar a Constituição de 1981, promulgada na ditadura militar. Dois anos depois, porém, não houve consenso para aprovar a nova Carta, redigida por uma Assembleia Constituinte composta em sua maioria por legisladores independentes de esquerda. Houve paridade de gênero e representação dos povos originários.
Boric convocará os principais partidos do país para formular uma proposta, que será enviada ao Congresso, no qual o governo não tem maioria, para aprovação. Entre os pedidos da direita para o novo processo estão o de diminuir a cota de participação de independentes e dos indígenas, que tiveram 17 cadeiras na Assembleia, cada um representando uma nação indígena do país. A direita prefere que, desta vez, exista uma maior participação dos partidos tradicionais.
Já a esquerda quer que o texto rejeitado sirva de base para o próximo e que mantenha as ideias de plurinacionalidade, defesa do ambiente e dos direitos da mulher. O plano da ala progressista também é que o novo texto fique pronto em um ano e que seja aprovado antes de 11 de setembro do ano que vem, quando se completam 50 anos do golpe militar que deu início à ditadura Pinochet (1973-1990).
Um dos empecilhos, porém, será o fato de que, segundo a lei eleitoral, não é possível realizar uma nova eleição de integrantes de uma nova Assembleia Constituinte em menos de 125 dias depois do plebiscito deste domingo.
Há outras opções na mesa, por exemplo, em vez de eleger uma nova Assembleia Constituinte. Uma delas é que o Congresso escolha um comitê de especialistas, constitucionalistas e advogados para que redija a Carta. Também se discutirá se seria necessário outro plebiscito de aprovação ao final ou se o próprio Congresso poderia ou não aprová-la.
De todo modo, mesmo que o processo constitucional siga adiante, o país continuará em um compasso de espera política, enquanto se acumulam problemas econômicos, como uma inflação em torno de 13%, e sociais, como o aumento das denúncias de violência em 30% no último ano.
Com informações Folha de São Paulo



