Região Metropolitana de Belém falha em integrar mobilidade entre ruas, rios e ilhas
Mesmo com 42 ilhas e forte vocação ribeirinha, capital paraense segue sem integração entre transporte terrestre e fluvial; moradores dependem de improvisos e rotas informais para trabalhar, estudar e acessar serviços públicos
A Região Metropolitana de Belém (RMB) possui uma geografia única no Brasil, marcada por rios, furos e dezenas de ilhas que fazem parte da vida cotidiana da população. Apesar disso, a integração entre o transporte terrestre e o modal fluvial segue praticamente inexistente — e a mobilidade ribeirinha permanece baseada em rotas informais, improvisos e dependência de embarcações privadas.
Belém tem 42 ilhas, mas apenas três — Combu, Cotijuba e Mosqueiro — contam com embarcações regulares em horários fixos. As demais comunidades dependem de lanchas particulares, caronas de vizinhos ou da própria embarcação para se deslocar. Para populações ribeirinhas, tarefas básicas como estudar, trabalhar ou ir ao médico exigem planejamento, recursos financeiros e, muitas vezes, sorte.
Acesso precário empurra moradores para o transporte informal
No Combu, uma das ilhas mais conhecidas devido ao turismo gastronômico, o líder comunitário Iva Souza descreve a situação:
“Barco com horário mesmo, só pra Combu, Cotijuba e Mosqueiro. Para as outras, você tem que ir ao porto e torcer para encontrar alguém indo pra lá. Às vezes, a saída é juntar dinheiro para o combustível ou alugar uma lancha, que pode custar de R$ 100 a R$ 500”.
A falta de acessibilidade afeta principalmente idosos e pessoas com deficiência. Em ilhas onde o transporte escolar e o transporte de pacientes dependem da disponibilidade de barqueiros, o improviso se torna regra. A Sesma disponibiliza apenas uma lancha do SAMU para 40 ilhas — número insuficiente para a demanda e que não cobre áreas com ligações terrestres frágeis.
Estudantes universitários também sofrem com a precariedade da mobilidade. Elson Souza, morador da ilha do Maracujá e aluno da UFPA, resume:
“É quase impossível ir e voltar todo dia. Sem barco de linha, você gasta mais com transporte fluvial do que com alimentação”.
Porto Princesa Isabel reformado para a COP30, mas acesso continua restrito
A reforma do porto Princesa Isabel em 2025 trouxe esperança aos moradores do Combu e de outras comunidades próximas ao rio Guamá. A modernização fazia parte dos investimentos para a COP30 e ampliou a estrutura da área, localizada na Bernardo Sayão. No entanto, o uso do porto ficou limitado aos barqueiros vinculados à Cooperativa Mista da Ilha do Combu (Coopmic).
“Quando soubemos da reforma, achamos que todos os barqueiros poderiam operar ali. Mas não foi assim. A gente não pode nem descer com a família, porque colocam a gente pra fora”, relata o barqueiro João Pantoja.
Com isso, moradores continuam utilizando portos menores, como o da Palha, ou estruturas privadas cedidas ocasionalmente — nenhum deles preparado para atender a demanda diária das 42 ilhas.
Serviços públicos chegam de forma desigual e dependem da iniciativa dos moradores
A precariedade do transporte afeta diretamente o acesso a serviços essenciais. Os contratos firmados entre barqueiros e governos municipal e estadual incluem aluguel das embarcações e carteira assinada, mas os atrasos de pagamento são frequentes, prejudicando a manutenção das lanchas.
“O custo de manter uma embarcação é como manter um carro popular. Quando o pagamento atrasa, a gente fica numa situação muito difícil”, afirma Iva Souza.
Para Charles Teles, fundador do Espaço Ygara no Combu, o potencial das ilhas para o turismo comunitário é enorme, mas falta assistência técnica e políticas públicas:
“A maioria dessas ilhas é habitada por famílias ribeirinhas que vivem do extrativismo, sem água encanada, sem capacitação e responsáveis pela própria locomoção”.
BRT Metropolitano funciona, mas ignora os rios
O BRT Metropolitano, inaugurado às vésperas da COP30 após 17 anos de obras, foi projetado para melhorar a circulação terrestre entre Belém, Ananindeua e Marituba. No entanto, a população ribeirinha da própria capital e de cidades próximas continua excluída.
O sistema promete bilhete único e integração, mas não oferece solução para quem vive nas ilhas — que, antes de alcançar um terminal do BRT, precisa pagar por deslocamentos fluviais caros e irregulares. Municípios como Santa Izabel, Benevides e Santa Bárbara sequer tiveram seus bairros periféricos integrados à rede, reforçando desigualdades.
Para o ex-vereador Fernando Carneiro (Psol), Belém ainda não tem um BRT funcional:
“Só anda de ônibus quem não pode pagar um pouco mais por uma moto, e isso se reflete nos engarrafamentos constantes. A obra não integrou os bairros, nem o transporte fluvial, e acabou colocando mais carros na rua”.
Segundo ele, as faixas exclusivas não reduziram a frota de ônibus nas outras vias, e o sistema ainda não cumpre sua função social de oferecer uma alternativa mais eficiente do que o transporte particular.
A reportagem buscou o Núcleo de Gerenciamento de Transporte Metropolitano (NGTM) e a Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana de Belém (Semob), mas não obteve resposta.



