Após mais de três décadas de debates, a reforma tributária brasileira começa a sair do papel em 2026, ano que marca o início da transição prática para o novo modelo de impostos sobre consumo. No Pará, onde a arrecadação ultrapassou R$ 59,4 bilhões em 2025, segundo o Impostômetro, as mudanças já acendem alertas entre empresários, contadores e gestores públicos.
A implementação ocorre após a sanção da Lei Complementar nº 214/2025 e a aprovação do texto-base do Projeto de Lei Complementar nº 108/2024, que estruturam o chamado IVA Dual. O novo sistema substituirá gradualmente cinco tributos atuais pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência estadual e municipal, pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), federal, além do Imposto Seletivo.
2026: o ano do teste real
Diferentemente dos anos anteriores, concentrados em discussões legislativas, 2026 será um período de testes operacionais com movimentação financeira real. A estratégia do governo federal é calibrar sistemas da Receita Federal, estados, municípios e empresas antes da virada definitiva, prevista para 2027.
A principal mudança visível será a cobrança simbólica de uma alíquota total de 1% sobre bens e serviços: 0,9% destinados à CBS e 0,1% ao IBS. A medida serve para testar o funcionamento da arrecadação compartilhada entre os entes federativos.
Apesar da cobrança, a legislação prevê neutralidade de carga para empresas do regime não cumulativo. Os valores pagos poderão ser compensados integralmente com PIS e Cofins, que continuam em vigor até o fim de 2026.
Risco maior está na convivência de dois sistemas
Para o tributarista Márcio Maués, o maior desafio de 2026 não será o valor dos novos tributos, mas a coexistência entre o sistema atual e o novo modelo.
“O risco está na sobreposição de obrigações, na insegurança jurídica e nas dificuldades operacionais para as empresas”, avalia.
Segundo ele, contribuintes que destacarem corretamente CBS e IBS nos documentos fiscais eletrônicos poderão ficar dispensados do recolhimento efetivo durante o período de testes, desde que cumpram todas as exigências da Receita Federal.
Mais obrigações acessórias
Mesmo com alíquota reduzida, 2026 trará aumento significativo das obrigações acessórias. A partir de janeiro, documentos fiscais eletrônicos deverão destacar individualmente CBS e IBS, incluindo notas fiscais, documentos de transporte, contas de energia, comunicação e bilhetes de passagem.
Também estão previstas novas declarações para setores específicos, como instituições financeiras, planos de saúde, seguros e previdência. Plataformas digitais passarão a informar operações detalhadas realizadas por seus usuários.
A partir de julho, pessoas físicas que forem contribuintes da CBS e do IBS deverão se inscrever no CNPJ, sem que isso as transforme em pessoas jurídicas — medida que visa apenas facilitar a apuração dos tributos.
Impactos no comércio e nos serviços do Pará
No Pará, os efeitos da transição preocupam especialmente os setores de comércio e serviços, que têm peso relevante na economia estadual. A Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Pará (Fecomércio-PA) avalia o início da reforma com cautela.
Segundo o presidente da entidade, Sebastião de Oliveira Campos, embora a reforma prometa simplificação no longo prazo, há risco de aumento da carga tributária, sobretudo para o setor de serviços.
“Empresas terão que rever preços, margens, planejamento tributário e práticas de compliance. O impacto não será igual para todos”, afirma.
No comércio, empresas com cadeias longas de fornecedores podem se beneficiar da não cumulatividade. Já pequenos varejistas, com menor volume de créditos a compensar, tendem a sentir mais pressão. No setor de serviços, a expectativa é de impacto mais intenso, já que hoje muitas empresas recolhem ISS, PIS e Cofins com alíquotas inferiores às projetadas para o novo sistema.
Arrecadação cresce, mas cenário exige cautela
Entre janeiro e dezembro de 2025, a arrecadação no Pará cresceu cerca de R$ 5 bilhões em relação ao ano anterior. Em Belém, o total passou de R$ 1,22 bilhão para aproximadamente R$ 1,33 bilhão. Parte desse crescimento está associada às obras e investimentos ligados à preparação para a COP30, que ampliaram o consumo e a atividade econômica no Estado.
A Fecomércio reconhece o aumento da arrecadação, mas alerta que um ambiente tributário instável pode comprometer a sustentabilidade desse crescimento no médio prazo.
Split payment e impacto no caixa
Outro ponto que começa a ganhar relevância já em 2026 é a preparação para o split payment, mecanismo que deverá se tornar obrigatório a partir de 2027. Nesse modelo, o imposto é automaticamente separado no momento do pagamento, especialmente em operações com cartão.
Na prática, o tributo deixa de circular pelo caixa das empresas, o que altera profundamente o fluxo financeiro, principalmente no varejo.
Um ano decisivo para evitar problemas futuros
Para a Receita Federal, 2026 será um ano de testes, ajustes e correções. Contribuintes que cumprirem corretamente as obrigações acessórias ficarão dispensados do recolhimento efetivo da CBS e do IBS durante o período experimental.
Ainda assim, especialistas alertam que tratar 2026 como um ano secundário pode gerar sérios problemas em 2027, quando PIS e Cofins forem extintos e as alíquotas definitivas entrarem em vigor.
No Pará, o consenso entre especialistas e entidades empresariais é claro: quem não se adaptar agora poderá enfrentar custos mais altos, autuações e dificuldades operacionais no novo sistema tributário.



