BELÉMNOTÍCIAS

Recuo obrigatório, um equívoco que precisa acabar em Belém

Uma simples volta em Belém é suficiente para encontrar uma cidade revestida por muros impermeáveis. Tão mais que um sintoma da violência que assola a cidade, isso também é reflexo das nossas leis urbanísticas draconianas.

Usualmente se culpa o setor imobiliário, eterno vilão para os que costumam confundir causa e consequência. Mas, na verdade, casas já antigas também se valem deles.

O fato é que não é preciso ir longe ou para uma cidade considerada desenvolvida para encontrar bons exemplos. Na verdade, eles estão aqui mesmo, em Belém, e são fruto de um cidade mais liberal e menos presa ao dogma banal do urbanismo tupiniquim nas últimas décadas: o recuo obrigatório.

Notem que a região mais antiga da cidade, como o centro comercial, não são cheias de muros. Bem como em Buenos Aires ou nas cidades europeias, as construções geralmente são coladas umas nas outras, no alinhamento da calçada, com portas e janelas já voltadas para a rua.

Rua João Alfredo, casarões sem recuos frontais ou laterais. Foto: Reprodução

Ou seja, a própria construção cumpre a função de muro, só que com relação direta com o espaço público.

Essa realidade, no entanto, mudaria com a hegemonia no Brasil do urbanismo modernista (que sempre concebeu a cidade para os automóveis) e, assim, prefeituras passaram a obrigar que as construções fossem separadas da rua e entre si, ocupando só um pedaço no meio do terreno.

Edifício de luxo no Umarizal sem integração com o passeio público. Foto: Reprodução/GSV

Essa imposição tinha motivação ambiental, com base em conceitos ultrapassados que entendiam que uma maior insolação e ventilação eram essenciais do ponto de vista sanitário.Hoje, com exceção de áreas construídas antes dessa legislação, ou informais, praticamente toda cidade brasileira se baseia nesses recuos que aumentam distâncias e a mancha urbana, desconsideram o pedestre e a escala humana, e criam espaços que muita gente entende que precisam ser fechados por muros.

Edifício Felícia, de 1963, prédio sem muros e integrado com a rua. Foto: Bairro de Nazaré/Instagram

O recuo obrigatório também mata a diversidade arquitetônica, diminuindo a autonomia projetual de arquitetos que estudaram anos para saber a melhor forma de aproveitar um lote específico.

Até mesmo a busca por densidade, atualmente desejada pelas Prefeituras, pode ser atrapalhada por recuos que, combinados com limitações de altura, impedem que se construa o máximo previsto para um terreno.

Esse texto não é contra recuos, no entanto, eles têm que ser usados por decisão do arquiteto e do incorporador, por entenderem que é assim que poderão aproveitar da melhor maneira possível aquele terreno para o empreendimento e a cidade, ou previstos somente para locais específicos.

Edifício no bairro da Campina com recuos integrados ao passeio público. Foto: Reprodução/GSV

Em meio a estímulos para “fachada ativa” e conscientização em busca de uma cidade mais voltada ao pedestre, é irônico que justamente uma sociedade que sofre com os muros e os reconhece como nocivos, mantenha uma legislação que dá incentivo a sua proliferação.

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo
Fechar