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No Pará, projeto de carbono com quilombolas se apoia em cálculo exagerado de desmatamento e congela 80% do território

Em uma tarde quente em Gurupá, na ilha de Marajó, iniciamos nossa jornada pelo rio Amazonas rumo ao quilombo do Flexinha. O trajeto de meia hora foi marcado por encontros com casas ribeirinhas e outras comunidades quilombolas, como Jocojó e Gurupá Mirim. Ao chegarmos à passarela de Flexinha, enfrentamos nuvens de carapanãs antes de sermos recebidos por Neiva dos Santos Gomes, em sua casa de madeira sobre palafitas.

Neiva, de 30 anos, mora há 12 anos no Flexinha com seu marido, André, um nativo da comunidade. A comunidade faz parte do território gerido pela Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Gurupá (Arqmg). Durante a pandemia de Covid-19, surgiram as primeiras propostas de empresas de carbono para os quilombolas, com a Carbonext firmando um contrato de 30 anos em julho de 2022. Com um capital de R$ 240 milhões e um investimento de R$ 200 milhões da Shell, a Carbonext congelou 80% dos 83 mil hectares do território para emissão de créditos de carbono.

Segundo a Carbonext, esse é um momento histórico para o mercado de carbono brasileiro, sendo o primeiro projeto totalmente conduzido por uma comunidade quilombola. Em tese, esses projetos devem recompensar quem preserva a floresta, alinhando-se às metas do Acordo de Paris de 2015. No entanto, o projeto enfrenta resistência e dúvidas entre os quilombolas, que receiam perder autonomia sobre seu território.

A aprovação do projeto AWA Redd+ Project na Verra, principal certificadora de carbono, ainda não ocorreu, e os recursos não chegaram às comunidades. Há insatisfação com o contrato assinado às pressas e a promessa não cumprida de grandes somas de dinheiro. A área destinada ao cultivo, extrativismo e caça é pequena, e muitos moradores não entendem os bloqueios impostos ao uso do território.

Neiva reflete sobre a complexidade de explicar conceitos como carbono para os mais velhos e critica a percepção de que o projeto visa mais ao benefício das empresas do que à proteção das florestas. A Promotoria de Justiça Agrária do Pará também aponta que a procura intensa por territórios quilombolas para esses projetos tem causado conflitos internos nas comunidades.

Há críticas à falta de transparência e dificuldade de acesso aos contratos, com muitas famílias relutantes em se filiar à cooperativa Coopawa, criada para gerenciar os recursos do projeto. A taxa de adesão e o medo de perder benefícios sociais agravam a desconfiança. Além disso, a metodologia de “desmatamento evitado” usada pela Carbonext, que estima uma alta taxa de desmatamento futura, é contestada por moradores e especialistas.

Alegações de desmatamento por monocultura de mandioca e a auto culpabilização dos quilombolas pelo desmatamento são contestadas, já que a prática agrícola tradicional pode ser benéfica para a floresta. Dados indicam que a agropecuária é a principal responsável pelas emissões de gases no Brasil, e não as práticas dos quilombolas.

A remuneração das famílias quilombolas depende da cotação do dólar e do crédito de carbono, variáveis incertas que geram desconfiança. A Carbonext enfrenta acusações de práticas duvidosas em outros projetos com comunidades tradicionais.

A desconfiança em relação ao projeto é resumida por Franciele Alho Pena, secretária do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Gurupá, que questiona a perda de autonomia sobre o território. Para muitos, o projeto de carbono parece mais uma forma de exploração, em vez de uma solução para a preservação ambiental.

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