
Se tem uma coisa que a classe média branca sudestina adora fazer é pegar uma cultura popular, dar uma “melhorada” e vender como uma versão mais civilizada, mais moderna, mais adequada aos tempos atuais. Foi assim com o samba de raiz, foi assim com o funk e agora chegou a vez do forró. A bola da vez é o tal “forró contemporâneo”, que promete eliminar o “machismo” da dança tradicional. Mas a que custo?
O forró, como qualquer dança de salão, tem papéis bem definidos. No modelo tradicional, o homem conduz e a mulher segue, mas isso nunca significou submissão, e sim um jogo de conexão e interpretação dos movimentos. A condução exige técnica, precisão e, principalmente, diálogo entre os parceiros. Além disso, qualquer mulher que queira aprender a conduzir pode fazê-lo – basta querer. No próprio meio do forró, professoras ensinam tanto a conduzir quanto a seguir, e há inúmeros casais invertendo papéis de forma natural. O problema nunca foi o forró em si, mas a forma como algumas pessoas enxergam a dinâmica da dança.
Agora, os “revolucionários de apartamento” resolveram mudar tudo. No tal “forró contemporâneo”, não há mais condução nem conexão tradicional entre os pares. Homens e mulheres dançam soltos, muitas vezes de costas um para o outro, cada um num movimento desconexo, como se a coreografia fosse o único objetivo. Mas o que sobra disso? Porque sem a conexão entre os parceiros, sem a troca de olhares, sem a interpretação da música no corpo do outro, o forró deixa de ser forró. Torna-se uma espécie de valsa desengonçada misturada com reggae e ciranda.
E o problema não para por aí. Como sempre, essa nova invenção vem embalada em um discurso que deslegitima a cultura popular nordestina. O forró tradicional, que há décadas embala festas e celebrações no Brasil inteiro, passa a ser visto como “atrasado”, “machista” e “opressor”. A dança que nasceu nas feiras, nos bailes e nas festas de São João é descartada como algo que precisa ser superado.
O que essas pessoas fazem é apropriação cultural, mas do tipo mais nocivo: aquela que nega e apaga a história do próprio ritmo que estão tentando modificar. Não basta apenas inovar – precisam vender essa inovação como a única versão aceitável, deixando de lado toda a bagagem histórica, os passos tradicionais e, claro, os mestres do forró como Luiz Gonzaga e Dominguinhos, que certamente não reconheceriam essa nova versão como legítima.
E o pior é a malandragem por trás disso: vendem para quem nunca dançou forró a ideia de que a culpa de suas dificuldades está no próprio ritmo, na condução, no patriarcado. Criam um problema que não existe para justificar uma solução que ninguém pediu.
A verdade é que não há problema nenhum em querer criar uma nova forma de dança. O problema é querer empurrar essa mudança como uma evolução necessária, como se a cultura popular precisasse da validação da elite desconstruída para continuar existindo. Se querem inventar um novo estilo, que inventem, mas que não chamem de “forró melhorado”, porque não é.
O resultado disso tudo é um forró descaracterizado, artificial e, ironicamente, excludente. Porque, no fim das contas, essa tentativa de desconstrução apenas reforça o afastamento entre a cultura popular e as elites, que seguem achando que tudo o que vem do povo precisa ser reformado para se tornar aceitável. Isso não é inovação, é apagamento.
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