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Belém reconecta moradores às ruas: cultura urbana ao alcance da cidade

Eventos de rua transformam bairros e praças em espaços de convivência urbana, fortalecendo laços comunitários, segurança e sentimento de pertencimento.

O uso do espaço público como palco de cultura, convivência e pertencimento resgata a relação entre cidade e moradores. Em Belém, iniciativas populares e projetos locais vêm ocupando ruas, praças e mercados com arte, música e educação — reforçando princípios de urbanismo humanizado e cidades para pessoas.

Samba na Feira do Açaí: cultura e patrimônio à flor da pele

Toda primeira sexta-feira do mês, a tradicional Feira do Açaí, no Complexo do Ver-o-Peso, se torna palco da Roda de Samba Fé no Batuque. O evento não apenas anima a área histórica, mas reforça seu valor urbanístico e cultural enquanto patrimônio vivo. Organizado por ambulantes e artistas locais, o samba fortalece a economia solidária, ilumina a calle de pedras de lioz e conecta a população com os mateiros urbanos projetados por Lelé no início do século passado.

Samba na feira do açaí. Foto: Reprodução

Batuque do Mercado nos Jurunas: samba que ocupa rua e reforça identidade

No bairro do Jurunas, o Batuque do Mercado já é unanimidade. Começou entre amigos como roda espontânea e acabou ganhando as ruas como evento popular consolidado. O entrosamento entre soma — público e artistas — reforça a tradição de apropriação do espaço urbano pela comunidade, fortalecendo a segurança natural de Jane Jacobs através dos “olhos nas ruas”.

Samba no mercado. Foto: Reprodução

Café Marcelino & Amazoniabrecho: economia criativa e urbanidade

Na Brás de Aguiar, o Marcelino Café tornou-se ponto de encontro com samba, música eletrônica, brechó e economia criativa. O café ocupa um quarteirão de convivência urbana, ressignificando a rua como lugar de encontro, lazer e visibilidade cultural independentemente de grandes estruturas urbanas.

Paralelamente, o Amazoniabrecho organiza feiras de economia criativa no centro histórico, incentivando a ocupação consciente do patrimônio como ferramenta de inclusão urbana.

Evento na Brás de Aguiar. Foto: Reprodução
Evento na Brás de Aguiar. Foto: Reprodução

Feira da Nipo: tradição e cultura japonesa ocupando o Porto Futuro

Outro evento que vem se consolidando na agenda cultural de Belém é a Feira da Colônia Nipo-Brasileira, realizada no Porto Futuro. A feira é uma celebração vibrante da cultura japonesa, reunindo gastronomia típica, oficinas, exposições artísticas, apresentações culturais, moda, produtos artesanais e muito mais — tudo em um espaço aberto e democrático.

Ao ocupar o Porto Futuro com tanta diversidade e afeto, o evento reforça o uso do espaço público como ponto de encontro entre tradições e contemporaneidade, fortalecendo o vínculo entre cidade e cidadãos. A feira atrai centenas de visitantes a cada edição, promovendo segurança, movimento e orgulho de pertencimento à Belém.

Feira da Nipo no Porto Futuro. Foto: Reprodução
Feira da Nipo no Porto Futuro. Foto: Reprodução

Aula pública com Michel Pinho: cidade como sala de aula

O historiador Michel Pinho promove aulas públicas que transformam ruas, prédios e praças em ferramentas pedagógicas. A iniciativa promove o uso educativo dos espaços públicos, aproximando cidadãos de crianças à terceira idade à história urbana e patrimonial da Amazônia. Em torno de bairros como o Reduto, esses percursos incentivam a percepção sensível da cidade, consolidando identidade e pertencimento.

Domingueiras e feira da Praça da República: ocupação de bairros

A tradicional feira da Praça da República, aos domingos, continua sendo um encontro de comunidade com a cidade. Agora, a prefeitura amplia essa lógica com as Domingueiras — eventos mensais itinerantes em cada bairro, com atrações culturais e convivência urbana. A edição inaugural, na Pedreira, levou música, arte e economia informal às ruas, reafirmando o direito ao uso da cidade de forma descentralizada.

Foto: Dondinho

Urbanismo vivencial: mais que ocupação, reconstrução de laços

Esses eventos urbanos que vêm tomando conta de Belém — como os sambas de rua, as feiras criativas e os encontros culturais ao ar livre — exemplificam de forma prática os principais pilares do urbanismo humanista, uma abordagem que enxerga a cidade não apenas como infraestrutura, mas como uma extensão da vida coletiva.

Um dos conceitos centrais é o de “olhos nas ruas”, formulado pela urbanista Jane Jacobs. Ela defendia que a presença constante de pessoas nas ruas cria uma rede natural de vigilância e cuidado comunitário. Quando moradores ocupam praças, calçadas e mercados com arte, música, dança ou apenas convivência, o espaço se torna mais seguro, humano e acolhedor. O risco dá lugar à confiança, e o medo urbano é substituído pelo senso de pertencimento.

Outro conceito essencial vem do arquiteto e urbanista Jan Gehl, que trata as praças e ruas como espaços de encontro, fundamentais para o bem-estar social. Gehl argumenta que o sucesso de uma cidade pode ser medido pela qualidade de suas interações no espaço público. Ao transformar ruas e praças em palcos para encontros espontâneos, rodas de samba, aulas ao ar livre ou feiras criativas, Belém reforça o papel social e afetivo desses espaços. Não são apenas “áreas de circulação”, mas sim locais de permanência, convivência e construção de laços.

Já a ideia de uma cidade feita para as pessoas, abordada por pensadores como Henri Lefebvre e David Harvey, coloca o direito à cidade como um direito coletivo à transformação do espaço urbano. Para eles, a cidade não deve ser desenhada apenas por arquitetos, engenheiros e burocratas, mas construída continuamente pelos seus habitantes, com base em suas vivências, necessidades e afetos. É nessa perspectiva que os eventos culturais de Belém ganham ainda mais força: eles são expressões do protagonismo popular no uso e reinvenção do espaço urbano.

Essa reconexão entre cidade e cidadão é essencial para cultivar uma cidade mais inclusiva, criativa e afetiva. Ao ocupar praças, ruas e centros históricos com cultura, lazer e economia criativa, os moradores de Belém não apenas frequentam a cidade — eles participam de sua construção simbólica e social.

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