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Artista paraense ganha o mundo com roupas feitas de folhas e tramas

Foi no quinal da casa onde cresceu em Icoaraci, distrito de Belém, que o artista Labô Young, de 27 anos, criou seus primeiros brinquedos usando as folhas da árvores ao redor. Fazia bonecos, carrinhos e tudo mais que uma criança que tinha a floresta como parceira faz. “Cresci no meio do mato, nessa cultura de quintal, de interior. Isso é algo comum de todas as crianças daqui. Minha mãe sempre me contava muitas histórias, ouvia as lendas do meu avô, que era pescador e fazia redes cheias de tramas. Achava a coisa mais incrível do mundo pegar uma manga e espetar alguns espinhos de tucumã para criar algo divertido”, recorda, ele.

Juntamente com essa herança cultural, ele adorava a cena pop, cantava e dançava como Britney Spears e Joelma. “Eu sempre fui uma bicha amazônica. Ficava louca com os looks, já adorava essa coisa da moda, criar, fazer performance. Hoje entendo como indumentária, como uma roupa que caracteriza um tempo.”

Foi na internet que Labô se apresentou ao mundo. Começou criando sons e subindo no Soundclound. No ano seguinte, em 2016, sentiu que faltava algo visual e começou a postar suas invenções no Instagram. “Fazia máscaras de folhas, vestia meus amigos e postava”, conta.

Em 2017, um amigo o chamou para ajudar em um cenário para o clipe “Gira a saia”, da cantora Gaby Amarantos e, no ano seguinte, a vida deu uma guinada quando o stylist serra-leonino Ib Kamara — que assina trabalhos para marcas como Burberry e Louis Vuitton e, este ano, tornou-se diretor de arte da Off-White, marca fundada por Virgil Abloh — foi fazer um editorial na Amazônia com o fotógrafo paraense Rafael Pavarotti. De modelo, Labô passou a assistente de styling de Kamara e acabou assinando um ensaio para a revista do jornal francês Le Monde. “Aproveitei para mostrar minhas máscaras para ele, que curtiu e me chamou para criarmos juntos”, lembra.

Desde então, Labô vestiu nomes que vão de Anitta a Grazi Massafera e Bruna Linzmeyer; foi chamado pelo Instituto Moreira Salles para expor a série “Cafarote”; e assinou parte dos looks do clipe “Vênus em escorpião”, de Gaby Amarantos com Ney Matogrosso, que recebeu o prêmio de melhor figurino no Music Video Festival do ano passado. “Labô é extraordinário. Faz parte de uma nova cena de artistas visuais que são, assim como eu, da periferia de Belém. Um lugar que já foi muito discriminado e de onde saem essas pessoas com talento nato. Ele é virtuoso, visceral, criou uma técnica própria. Constrói essa estética amazônica e ribeirinha como ninguém. Sem falar que está sempre atento a tudo que está acontecendo no mundo e faz uma conexão com a natureza”, elogia Gaby.

Agora mais um grande passo na carreira: ele chegou à TV. Foi convidado para assinar os figurinos dos personagens indígenas de “Independências” (TV Cultura), minissérie de Luiz Fernando Carvalho, que estreou na semana passada. “Ele é de uma modernidade impressionante, talvez inclassificável, como tudo que é genuíno: body art, design, moda, escultura, tudo isso junto, mas atravessado por ancestralidades”, elogia o diretor. Luiz Fernando buscava alguém que idealizasse um figurino que fugisse do óbvio. “Ele trouxe a atemporalidade fundamental para falarmos do universo indígena sem cairmos na armadilha dos clichês. Como um filho da região Norte, marajuara, Labô tem um olhar de dentro e, ao mesmo tempo, cosmogônico de sua cultura, universos indissociáveis, paralelos e a um só tempo tech e raiz”, completa.

A confecção das peças foi outra surpresa. Labô cria tudo na hora, minutos antes de gravar, sem costuras, apenas amarrando e tramando as folhas. A peça é moldada pelo corpo de quem a veste e também pela forma da planta. Nunca faz medida ou uma prova. “Todos os instantes foram cercados de criatividade e improviso. Para cada corpo, Labô fazia e montava os trajes instantes antes de entrar em cena e sempre pensando em suas ações principais para que as folhas trabalhassem em harmonia com os deslocamentos das atrizes, a luz, o espaço. Foi uma convergência imediata. Eu falava sobre a dramaturgia e a energia de cada personagem e ele, no dia seguinte, amanhecia no mercado de plantas separando as folhagens”, destaca Luiz Fernando. “Meu ateliê é o meu quintal. O mais importante de tudo é destacar que o meu trabalho fala sobre a minha casa, a minha cultura, a minha ancestralidade”, finaliza o artista.

Com informações O Globo

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