Manaus, a maior metrópole tropical do mundo, esconde, sob a grandiosidade de sua floresta circundante e sua posição como a quinta cidade mais rica do Brasil, um cenário de profunda desigualdade. Apesar do status proporcionado pela Zona Franca, 56% dos seus 2 milhões de habitantes vivem em condições de vulnerabilidade, conforme dados do IBGE de 2022, que voltaram a classificar áreas precárias como favelas.
Os rios “zumbis” e a vida nas margens
Sob a avenida Djalma Batista, um dos eixos centrais da cidade, corre o igarapé do Mindu, cujo odor fétido é comparado ao da marginal Pinheiros, em São Paulo. O professor Marcos Castro de Lima, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), chama esses igarapés de “rios zumbis”. “Estão ali, mas não têm vida”, afirma, denunciando a degradação ambiental.
Essa situação reflete um modelo urbano que não acompanhou o crescimento populacional impulsionado por migrações internas, de estados vizinhos e até de países como a Venezuela. “Manaus é o núcleo que concentra o que o restante do estado não oferece”, explica Castro, destacando a precariedade das cidades menores do Amazonas.

Favelas e a ausência do poder público
Entre as maiores comunidades estão Cidade de Deus e São Lucas, com mais de 50 mil habitantes cada. A Cidade de Deus, localizada próxima à reserva Adolpho Ducke, contrasta a densidade de telhados com o verde ao seu redor. Já em São Lucas, a história de moradores como dona Maria Adelaide Costa, que há 35 anos trocou o interior pela capital em busca de saúde, retrata a resistência frente à negligência.
“Minha casa não tinha porta nem janela”, recorda dona Maria Adelaide, que viveu anos sem energia elétrica e água encanada. Hoje, o bairro cresceu sem intervenções significativas de políticas públicas, e promessas como a de pavimentação ainda não saíram do papel.
O que a geografia explica sobre a desigualdade
Enquanto nas favelas cariocas a pobreza “sobe os morros”, em Manaus ela “desce os vales”, ocupando as margens dos igarapés. Essas áreas, além de mais vulneráveis a deslizamentos e inundações, evidenciam a hierarquização do espaço urbano. No entanto, mesmo os moradores das partes mais altas das comunidades enfrentam a ausência de serviços básicos.
A ausência de planejamento urbano e a precariedade das políticas habitacionais intensificam a desigualdade em Manaus, onde o cheiro dos igarapés poluídos se mistura ao desafio cotidiano da metade da população que vive em vulnerabilidade. A capital, que já inspirou o escritor Milton Hatoum, precisa urgentemente de soluções que restituam dignidade a seus habitantes e devolvam a vida aos seus “rios zumbis”.



