Às margens do rio Tapajós, no coração do oeste do Pará, encontra-se um dos capítulos mais curiosos e pouco conhecidos da história industrial do século XX. Fordlândia, distrito do município de Aveiro, é o que restou do ambicioso projeto do empresário norte-americano Henry Ford, que tentou implantar, a partir de 1928, uma colônia industrial nos moldes dos Estados Unidos em plena Amazônia.
Idealizada para garantir o fornecimento de borracha natural à Ford Motor Company, longe do domínio britânico no Sudeste Asiático, a chamada “Detroit da Amazônia” nasceu como uma cidade planejada, com hospital moderno, casas padronizadas, sistema de saneamento, galpões industriais e até campo de golfe. O sonho, porém, entrou em colapso menos de duas décadas depois.
Hoje, Fordlândia é conhecida como uma cidade fantasma, cujas ruínas atraem historiadores, pesquisadores, turistas e fotógrafos interessados em compreender como um dos homens mais ricos do mundo fracassou diante da complexidade ambiental e social da Amazônia.
Um choque cultural e ambiental
O fracasso do projeto não foi resultado de um único fator. Pragas que dizimaram as seringueiras, erros no plantio em larga escala e a tentativa de impor hábitos culturais norte-americanos aos trabalhadores brasileiros contribuíram para o colapso da iniciativa.
A proibição de bebidas alcoólicas, a imposição de dietas alimentares e a rígida disciplina geraram revoltas entre os trabalhadores, culminando em conflitos que marcaram a história local. Em 1945, a Ford encerrou definitivamente as atividades na região, deixando para trás uma cidade inteira.
Ruínas industriais e a Vila Americana
Entre os símbolos mais marcantes de Fordlândia está a caixa d’água metálica, que ainda domina o horizonte e se tornou um dos principais cartões-postais do local. Próximo a ela, grandes galpões industriais permanecem de pé, com maquinários originais enferrujados, alguns ainda ostentando a marca da Ford Motor Company.
Na parte residencial, a chamada Vila Americana reúne casas de madeira em estilo típico do meio-oeste dos Estados Unidos, construídas em uma área elevada para aproveitar a ventilação natural. Algumas estão abandonadas; outras seguem habitadas por moradores locais, descendentes dos trabalhadores do antigo projeto.
Fordlândia como museu a céu aberto
Visitar Fordlândia é, ao mesmo tempo, uma aula de história e uma experiência visual impactante. Entre os principais pontos de interesse estão:
- O antigo hospital, considerado um dos mais modernos da Amazônia à época, hoje tomado pela vegetação;
- Os galpões industriais, que revelam a escala do empreendimento;
- A Vila Americana, com ruas largas e arquitetura contrastante com o entorno amazônico;
- O rio Tapajós, que oferece praias de água doce durante o período de seca;
- O cemitério americano, escondido na mata, onde estão enterrados alguns expatriados.
O local também ganhou destaque em produções audiovisuais, como vídeos de canais especializados em história, que resgatam o contexto global e os erros que levaram ao abandono da cidade.
Quando visitar Fordlândia
O acesso a Fordlândia é feito principalmente por via fluvial, com embarcações saindo de Santarém ou Itaituba. O período mais indicado para visitação é durante a estação seca, quando o nível do rio está mais baixo e surgem praias naturais ao longo do Tapajós.
- Agosto a dezembro: período seco, ideal para explorar ruínas e fotografar;
- Janeiro a maio: cheia do rio, com acesso facilitado por barco e paisagem mais verde;
- Junho e julho: fase de transição, com clima menos extremo.
Um símbolo do fracasso e da resistência amazônica
Mais do que um destino turístico, Fordlândia se consolidou como um símbolo da tentativa frustrada de impor um modelo industrial estrangeiro à Amazônia. A floresta, o clima e a cultura local resistiram a uma lógica que ignorou as particularidades da região.
Caminhar por Fordlândia é testemunhar o embate entre a ambição humana e a força da natureza. Um lugar onde o tempo parou — e onde a Amazônia venceu.



