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TJPA novamente decidirá estupro de Sefer: entenda e relembre o caso

Após a última decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, que, em sede de Reclamação, cassou a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJPA) a qual, em 2018, por sua vez, anulava o processo e inquérito que acusava o ex-deputado Luiz Sefer pelo crime de estupro, o processo retornou para o estágio em que se encontrava antes do acórdão daquela corte superior, ou seja, condenado em primeiro grau por estupro, o TJPA deve agora analisar se mantém a condenação, absolve o ex-deputado ou ainda se anula novamente o processo.

Difícil de entender? Também pudera, há anos vem se travando uma complexa batalha jurídica sobre este caso.

O ParaWebNews traz as informações de como anda o processo e explica as nuances de um dos crimes de maior repercussão e comoção social do estado.

Entenda o caso:

O caso “Sefer” é, definitivamente, uma daquelas histórias macabras, dignas de serem exibidas em programas criminais como o antigo “Linha Direta”, ou atualmente, pela série documental que está fazendo sucesso na plataforma de streaming Netflix, “Investigação Criminal”, não só pela trágica história, que chocou a sociedade paraense, mas, como dissemos, pela complexidade do processo, cheio de reviravoltas, decisões contraditórias e teses mirabolantes da defesa. 

De um lado temos uma menina de apenas 9 anos, vinda do interior para servir de “dama de companhia” e que passou a sofrer abusos, estupro e tortura na casa onde morava. E de outro, seu algoz, um médico, deputado estadual, dono de uma das maiores fortunas e influência política do estado, com uma banca jurídica digna de um sheik árabe, com advogados do porte de Márcio Thomaz Bastos, José Eduardo Cardoso, Osvaldo Serrão, Roberto Lauria, Pierpaolo Cruz Bottini e outros.

O estupro:

Segundo a investigação da polícia civil do estado e a denúncia da promotora de justiça Sandra Gonçalves, em 2005, Luiz Sefer, na época deputado estadual pelo DEM, “encomendou“, ou como diz popularmente, ‘pegou para criar‘, uma menina do município de Mocajuba, S. B. G., de 9 anos de idade, para servir de dama de companhia para sua filha pequena, e durante três longos anos com ela praticou todo tipo de tortura e degradações físicas e morais.

Apenas para se ter uma noção vejamos um dos trechos do depoimento da vítima à autoridade policial, vazados do processo que corre em segredo de justiça: “que, nos primeiros dias dos abusos sexuais, SEFFER toda noite ia para o quarto da informante e metia tal ferro e as vezes só o dedo e passava a beijá-la e passar a mão em seu corpo; Que, aproximadamente depois de uma semana SEFFER, passou a lhe estuprar de verdade, lhe penetrando a vagina, mandando fazer sexo oral, o qual ejaculava em sua boca e a informante cuspia, tendo SEFFER mandado a mesma engolir; Que SEFFER antes de lhe violentar por trás, usou o ferro para abrir seu ânus e depois lhe penetrava; Que a informante sentia muita dor, mas não conseguia sair de baixo dele; Que a informante gritava, mas SEFFER mordia suas costas, suas mãos e pescoço; Que SEFFER chupava sua vagina e metia o dedo, também, também metia o dedo em seu ânus”. … (https://www.cartacapital.com.br/justica/dos-estupros-que-nos-devastam-e-das-forcas-que-nos-entrelacam/)

Como escreveu a jornalista Franssinete Florenzano na época: “O relato da criança é digno de um filme de terror. Sefer introduzia o equipamento médico denominado bico-de-pato no órgão genital dela, e a obrigava a praticar sexo oral, vaginal e anal, a ingerir bebidas alcoólicas, batia nela e lhe dava remédio para não engravidar. Ameaçava-a dizendo que se contasse a alguém iria matar a família dela, inclusive a pessoa para quem ela contasse”. 

A acusação que pesava contra o médico era ainda mais grave, pois, segundo as apurações do caso, o filho de Sefer, Gustavo Sefer, na época com 13 anos, também participava da violência sexual contra a criança, incentivado pelo pai

A fuga e a denúncia – Após 4 anos de tortura, abusos sexuais e subjugação, S. B. G. venceu o terror e o medo que possuía de seu tutor, e agora, com 13 anos, conseguiu fugir e com ajuda da mãe de uma colega de escola, procurou o Conselho Tutelar e relatando com detalhes, todos os abusos que vinha sofrendo até então, à conselheira tutelar Nazaré Regina Pena da Fonseca.

Nazaré procurou então a delegada Cristiane Lobato e relatou a ocorrência do crime, dando origem a um inquérito policial e a investigação para apuração dos fatos. 

CPI da Pedofilia – Levando em conta o poder político dos envolvidos, muito provavelmente se não fosse a CPI da Pedofilia, criada em dezembro de 2008, após denúncias sobre estupros de menores no Marajó, feitas pelo bispo Dom Luís Ascona, o estupro da menor S.B.G. seria mais um no Pará a compor um enorme relatório sobre impunidade. 

Sefer acabou também sendo indiciado pela CPI da ALEPA e pela CPI Mista do Congresso Nacional, presidida pelo senador Magno Malta, que apurou práticas de violência sexual contra crianças e adolescentes no Pará, o que acabou por dar ainda mais notoriedade ao caso e intensificar o clamor popular.

O depoimento consistente da vítima, com riqueza de detalhes, a perícia constatando lesões características de violências sexuais antigas, tanto na vagina quanto no ânus e outros indícios sólidos, forçaram o então deputado Luiz Afonso Sefer a renunciar ao cargo em 2009, procurando se ver livre das acusações

A prisão – No mesmo ano, todavia, o ex-deputado Luiz Afonso Sefer seria preso em seu apartamento no 10º andar de um edifício de luxo na avenida Atlântica, zona sul do Rio de Janeiro, de malas prontas, levando-se a suspeitar que estivesse se preparando para uma possível fuga.

Um dos motivos de sua prisão teria sido as constantes tentativas que o acusado vinha fazendo para intimidar a vítima. Em uma das vezes mandou a empregada da casa e a tia da, agora adolescente, ao abrigo onde estava hospedada junto com seu advogado.

Na decisão, o juiz Eric Aguiar Peixoto, que respondia pela vara, cujo titular era Paulo Jussara, explica a necessidade da prisão: (25 de maio de 2009)

“É de se observar, ainda, que à fl. 207 consta um bilhete, no qual está inserido um pedido para a destinatária do mesmo retirar a vítima S.B.G. do abrigo em que se encontrava, constando as seguintes frases: o carro vem buscar a senhora e a Nalvinha vem junto. Não se preocupe com o dinheiro eles vão pagar tudo. (fls. 207).” (http://quintaemenda.blogspot.com/2009/05/sefer-e-preso-no-rio-de-janeiro.html

Condenação em 21 anos de prisão (8 de junho de 2010) – Com um material probatório consistente, o deputado não conseguiu escapar da condenação pela juíza Maria das Graças Alfaia Fonseca, titular da Vara Penal de Crimes Contra Crianças e Adolescentes de Belém, que, em 2010, o condenou em 21 anos de prisão e o pagamento de indenização de R$ 120 mil por danos morais. 

Naquele dia, acreditem, teve manifestação com trios elétricos e dezenas de pessoas com cartazes e panfletos que gritavam entre outras coisas: “Fora, Jordy”, “Fora, Magno Malta” e “Juíza Frouxa”. A fraca espontaneidade do evento, no entanto, acabou por não convencer ninguém. A fraca espontaneidade acabou por não convencer ninguém.

A anulação pelo TJPA (6 de outubro de 2011)

Para quem achava que esta história trágica havia acabado por aí, enganou-se. A partir daí, surgiram uma sucessão de decisões, reviravoltas e teses. Um caso, relativamente simples de estupro, se tornou um hard case, em que discussões doutrinárias vêm à tona e sobressai-se o conhecimento, experiência e argúcia dos profissionais renomados.

Com os renomados advogados – já falecidos – Márcio Thomaz Bastos e Osvaldo Serrão, em 7 de outubro de 2011, a 3ª Câmara Criminal Isolada do TJPA acolheu a tese da defesa e absolveu Sefer por insuficiência de provas. O desembargador João Maroja, relator, e desembargador Raimundo Holanda, revisor da apelação, votaram a favor e o juiz convocado, Altemar da Silva Paes, foi o único a divergir, votando pela manutenção da condenação.

Em sua defesa, o ex-deputado alegou que as acusações da menor foram inventadas “porque a menina temia perder a ‘boa vida’ e ‘os privilégios’ que tinha sob seus cuidados, embora só tivesse tratado de regularizar legalmente a situação dela quando precisou levá-la com a família para férias no Rio de Janeiro. Por último, sustentou que a menina, antes de ser levada para Belém, já tinha sido estuprada pelo próprio pai, sem explicar como soube desse fato, conforme atentou o jornalista Lúcio Flávio Pinto. (https://amazoniareal.com.br/o-medico-e-crianca/)

O Ministério Público Estadual chegou a recorrer da absolvição, todavia, o recurso foi negado pelo TJ do Pará. A procuradora de Justiça Ubiragilda Pimentel, mediante a um recurso especial, conseguiu levar a discussão do caso para apreciação do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Novas eleições – Em 2014, Luiz Sefer voltou a se eleger deputado estadual, agora pelo PP com 33.651 votos, compondo a frente Pra Frente Pará que envolvia o PSDB/ PSD/ PTB e o PP, partido dele.

STJ x TJPA – (a queda de braços) – Nesta fase, uma verdadeira queda de braços passou a existir entre TJPA e o STJ para quem dava a última palavra sobre o caso “Sefer”.

A primeira decisão do STJ veio em março de 2018. O ministro da 5ª Turma do Tribunal, Joel Ilan Parcionik anulou a decisão do Tribunal do Pará.

O ministro acolheu a tese de valorização da palavra da vítima neste tipo de crime. Por outro lado, ficou evidenciado inúmeras contradições no depoimento do médico, que alegava ter trazido a criança para morar consigo por “filantropia” e que a tratava, como se filha fosse.

Os depoimentos, no entanto, mostraram cabalmente que o tratamento que a menina recebia na casa do médico sempre foi de uma doméstica, não assalariada, ou seja, “trabalho escravo”.

Tampouco, Sefer conseguiu esclarecer ao longo da instrução, porque fazia questão de ser uma criança do sexo feminino entre 8 e 10 anos para fazer a sua “filantropia”. 

O jornalista Carlos Mendes teve acesso a trechos da decisão e publicou.(https://www.folhadoprogresso.com.br/casos-sefer-stj-anula-decisao-da-justica-do-para/?print=pdf)

Após a anulação do acórdão do TJPA pelo STJ, em 2011, o advogado Roberto Lauria, antes mesmo de apresentar apelação, atravessou uma petição pedindo a anulação do processo.

Em jargão jurídico, “atravessar petição” diz-se quando o advogado, fora do rito previsto dentro do procedimento, alerta o juiz de questões de ordem pública, que podem ser arguidas em qualquer grau de jurisdição, inclusive pelo próprio juiz, ex-ofício.

Lauria defendia a tese, que o ex-deputado Luiz Sefer não poderia sequer ser investigado pela Polícia Civil do Estado do Pará sem “prévia” autorização do Tribunal de Justiça do Estado, baseando-se em uma decisão do STF, daquela época, reinterpretando dispositivo constitucional que tratava do foro privilegiado, estendendo ao inquérito policial. O entendimento anterior é só após a conclusão do inquérito policial se aplicava o tratamento especial concedido na justiça a parlamentar.

De fato, o Inquérito Policial foi aberto a pedido da Procuradoria Geral de Justiça e chegou a ter autorização do Tribunal de Justiça do Pará, mas após três meses de iniciada as investigações.

O pedido de anulação caiu para o desembargador Raimundo Holanda Reis, que em 2011 havia acompanhado o voto do relator e absolvido Sefer por falta de provas.

Às folhas. 2.202/2.203, o desembargador Raimundo Holanda Reis proferiu decisão monocrática julgando improcedente o pedido de aditamento às razões de Apelação Criminal, com os seguintes fundamentos:

(…) Ora, analisando os autos, verifico que o momento adequado a trazer teses defensivas já se passou, encontrando-se precluso há vários anos, pois as razões recursais foram protocolizadas nesta Corte em 10 de setembro de 2010, conforme fls. 1518/1540, e, agora, quase oito anos após, busca-se, com novo patrono, um aditamento do apelo, o que não se pode permitir, além do que, a argumentação de matéria de ordem pública, ventilada nos autos, por entender o recorrente existente nulidade absoluta por não ter sido autorizado o inquérito policial por autoridade deste Tribunal de Justiça não prospera, já que tal autorização nunca existiu, nem mesmo possui qualquer previsão legal, seja a mesma constitucional ou infraconstitucional, já sendo entendimento pacífico no STJ que o indiciamento de autoridades com foro privilegiado é privativo da Autoridade Policial. 

(https://www.jusbrasil.com.br/processos/187407783/processo-n-201030114651-do-tjpa

Ocorre que os advogados de Sefer recorreram (um agravo regimental transformado em agravo interno) e dessa vez o desembargador Raimundo Holanda Reis, por algum motivo desconhecido, se julgou suspeito por foro íntimo.

O novo relator, desembargador Maírton Carneiro, determinou a convocação da desembargadora Maria Edwiges de Miranda Lobato para atuar na sessão ordinária de julgamento considerando que quase todo o tribunal se julgou suspeito também. Entre eles os desembargadores Maria de Nazaré Silva Gouveia dos Santos, Vânia Lúcia Carvalho da Silveira, Ronaldo Valle, Vânia Valente do Couto Fortes Bitar Cunha, Raimundo Holanda Reis, Rosi Maria Gomes de Farias e Rômulo Ferreira Nunes e o desembargador Milton Nobre, que informou ao relator extrajudicialmente ser também suspeito por motivo de foro íntimo.

(http://uruatapera.blogspot.com/2019_04_06_archive.html)

Em uma decisão tumultuada, com discussões entre os desembargadores Maírton Carneiro (relator) e Leonam da Cruz Junior (revisor) em 25/04/2019, a Terceira Turma de Direito Penal do Tribunal de Justiça do Pará, pelos votos de 2 x 1, declarou todo o processo nulo, inclusive o próprio inquérito e todas as provas coletadas foram declaradas ilícitas.

(https://www.tjpa.jus.br/PortalExterno/imprensa/noticias/Informes/948076-3a-turma-penal-anula-processo-contra-luis-sefer.xhtml)

O desembargador Leonam, em seu voto contrário, alegou não ter visto no caso qualquer prejuízo à defesa de Sefer na coleta de provas e lembrou que não existe nulidade sem prejuízo.  

O contra-ataque do STJ – Dois meses depois, o STJ – em 14/06/2019 – concede limiar na Reclamação promovida pelo MPPA mantendo a condenação e suspendendo os efeitos do acórdão que anulou a pena do ex-deputado Luiz Afonso Sefer. (https://www2.mppa.mp.br/noticias/stj-suspende-acordao-que-anulou-processo-de-luiz-sefer.htm)

O ministro relator do STJ, Joel Ilan Paciornik, entendeu que: “vislumbra-se ocorrência de possível desrespeito à autoridade de decisão dessa Corte, considerando-se que a determinação foi de retorno aos autos para julgamento dos demais pedidos constantes das razões de apelação já apresentadas” (https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/879211627/reclamacao-rcl-38104-pa-2019-0162102-8)

A última tentativa no STF

Em agosto de 2021, o STF apreciou o pedido do ex-deputado estadual, que questionou o recurso do MP, que supostamente haveria entrado com recurso fora do prazo.

A 3ª seção do Superior Tribunal de Justiça, todavia, por ampla maioria, julgou improcedente o HC do impetrado pelo réu, retornando os autos ao STJ e acabando a última chance de inocentar o ex-deputado.

O processo volta ao STJ

Com o processo em mãos, neste último mês de outubro, no dia 27, a terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu ser procedente a Reclamação ajuizada pelo MP, anulando a anulação do TJPA.

Cabe agora aos desembargadores manter ou não a pena aplicada em 2010 de 21 anos e 8 meses.

Será que finalmente esta verdadeira novela chegará ao final e poderá dar a menor, finalmente, o mínimo de justiça e dignidade?

Esperemos para ver.

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