Neste domingo (2), ao meio dia, Zeca Camargo recebe no #BrasilCozinhaComigo, com transmissão ao vivo no Youtube de Nossa (coloque já o lembrete!), a cantora Fafá de Belém para falar sobre o Círio de Nazaré, as belezas da capital paraense, terra da artista, e a gastronomia local.
Um dos principais atrativos de Belém é, sem dúvida, sua culinária exótica e ao mesmo tempo versátil. E boa parte dessa tradição é alimentada pela herança culinária das boieiras, mulheres que servem, no mercado Ver-o-Peso, pratos regionais — ou a boia, que deu origem ao nome.
Para quem cresceu nessa atmosfera, cozinhar é mais do que simplesmente oferecer uma refeição, é algo nato que atravessa gerações servindo afeto.
Preparo tudo com muito carinho, quero agradar a todos que sentam nas minhas mesas. Quando a gente faz tudo com amor, todo mundo gosta”
A frase é de dona Osvaldina da Silva Ferreira, de 71 anos, uma autêntica boieira que há quase 50 oferece receitas regionais em um dos boxes do mercado, localizado no coração de Belém.
Metade desse tempo ela tem a companhia das filhas Eliana, 52, e Maria de Fátima, 53, que têm boxes próprios na feira — Eliana, inclusive, preparou o Tacacá Chique junto com Zeca Camargo na estreia do #BrasilCozinhaComigo:
Os espaços da família de dona Osvaldina ficam na área mais disputada do complexo, de frente para o rio. Durante a semana, a maioria dos frequentadores é de trabalhadores do comércio e da própria feira. Nos finais de semana pré-pandemia, casais, famílias e turistas eram o público principal na disputa por um lugar.
Do preconceito ao reconhecimento
Quem passeia hoje pelas mesas vê o nome boieira grafado com orgulho em banners e aventais. Mas nem sempre foi assim.
Dona Osvaldina conta que o título não era adotado pelas cozinheiras. A maioria nem gostava de ser chamada assim por medo de preconceito. “Muitas tinham vergonha de dizer que eram boieiras”.
O reconhecimento do trabalho só veio em 2010, pelas mãos do chef Paulo Martins, que provou a receita do peixe frito e a convidou para reunir um grupo de cozinheiras para um festival, assim nasceu o Ver-a-Boia.
Se não fosse pelo chef, nós não seríamos reconhecidas e não teríamos participado de tantos festivais pelo Brasil e até fora”
Martins foi um dos grandes incentivadores da divulgação da culinária paraense e faleceu no mesmo ano em que criou o festival.
Com a visibilidade, surgiram convites para eventos do gênero, como jantares especiais. “Viajamos bastante, por aqui e até para Portugal. Tivemos oportunidade de fazer intercâmbio com chefs franceses, portugueses, de várias nacionalidades. Todos dizem que o tempero que tem aqui não existe em lugar nenhum”, conta Osvaldina.
O coração de Belém
Hoje, a área de alimentação do Ver-o-Peso transformou-se em um tradicional ponto de encontro para saborear um peixe frito com açaí, prato típico, curtindo a paisagem.
Assim Nossa encontrou o motorista Lucas Dias, de 27 anos, e a professora Ludmilla Mello, 33. Clientes antigos da família Ferreira, eles degustavam o pirarucu ao molho de camarão. “Já tive a oportunidade de provar a culinária de vários lugares, mas não tem sabor igual ao daqui, ainda mais com esse ventinho de frente para o rio”, avaliou o motorista.
A professora acredita que o hábito de frequentar as boieiras já faz parte da cultura paraense. “Eu costumo dizer que o Ver-o-Peso é um lugar único, até pela proximidade que o nosso povo gosta, mesmo tomando todos os cuidados por conta da pandemia. Você vê que é calor, mas ninguém arreda o pé daqui, a comida é boa, a bebida é gelada”.
O funcionário público Antônio Araújo, de 45 anos, não via a hora de experimentar o pirarucu frito. “A maior diferença é que tudo servido aqui é fresco, do tempero ao vinagrete. Tudo é pego na hora na feira e nos servem fresquinhos, uma comida com alta qualidade a preço justo”.
A explicação também está na grandiosidade dos números e na rotina de abastecimento diário da feira. O complexo tem cerca de 30 mil metros quadrados, onde estão distribuídas 12 atividades econômicas.
Além da feira livre, considerada a maior a América Latina, há ainda o Mercado de Carne e Mercado de Peixe. Lá se encontra de tudo. Só de pescado são cerca de 40 tipos, trazidos de barco ainda na madrugada. Entre eles estão dourada, pescada, filhote e pirarucu, principais ingredientes das receitas da família Ferreira. De açaí in natura, são cerca de 30 toneladas diariamente.
A reinvenção das boieiras
A pandemia também afetou as cozinheiras, tanto pela questão da saúde quanto pela econômica, com fechamento das barracas, única fonte de renda delas. Eliana teve a covid-19, no final de abril.
Foi preciso se reinventar para atravessar esse momento. “Entre as boieiras cada uma procurou uma atividade. Eu coloquei em prática a ideia que tinha do delivery e foi o que nos salvou. Agora vamos continuar com ele”, conta Eliana, que é presidente da Associação Ver-a-Boia, criada há três anos.
E a tradição já está na terceira geração da família Ferreira. Uma das netas, Deise, de 28 anos, já acompanha a mãe desde o ano passado. “Ela já participou de eventos e jantares que fomos, é mais uma da família que segue esse caminho”, orgulha-se Maria de Fátima.
Para dona Osvaldina a sensação de trabalhar com o que ama é ainda maior por ter repassado a tradição para as outras gerações e ter conseguido criar os filhos, 16 netos e 16 bisnetos com o fruto do trabalho.
Hoje eu me sinto muito feliz e vitoriosa. Tenho orgulho das minhas filhas. Se elas aprenderam alguma coisa foi aqui na feira. Tudo graças à culinária paraense”.
Fonte UOL